Acontece-me ouvir o último de Leonard Cohen, "Old Ideas", ao mesmo tempo que leio um livro sobre o bicho ("Leonard Cohen - O Eterno Regresso", Guerra e Paz, que comprei recentemente a preço de saldo). É como se estivesse a tentar percebê-lo com duas bússolas - como se estivesse a seguir o rasto do homem e do personagem no cruzamento dos maturados versos de "Old Ideas" com as suas próprias palavras e com as conclusões do autor do livro, Marc Hendrickx. Há dados que já sabia. Mas sabe bem voltar a sabê-los, voltar a encontrá-los, num lento processo de reconhecimento que tenta respeitar a boa lentidão das procuras de Cohen.
Há, sim, há muitas camadas em cada uma das canções de "Old Ideas". E há, o mais difícil de tudo, frescura. São frescas estas ideias velhas. Como se Cohen estivesse a cada passo a libertar-se da ganga e dizer as palavras que merecem ser ditas, porque essenciais. Estão aqui alguns temas antigos - o amor, da carne e do espírito, o regresso e a compaixão, o pedido de compaixão para todos nós. E uma pintura irónica sobre tudo isto. O sofrimento foi transformado noutra coisa. São palavras sábias aquelas que são ditas por este "lazy bastard". Não lhe importam as opiniões, mas aquilo que sobrevive depois do verbo fácil: "Não preciso de organizar nenhum sistema que se respeite a si mesmo ou de exprimir um ponto de vista claro". Cohen chegou àquela fase em que percebe a relatividade de muitas das opiniões que defendemos inflamadamente, como se disso dependesse a nossa identidade. "Tudo o que tenho de fazer é dar informações, de tempos a tempos, com a maior clareza possível".
"Old Ideas" traz mais uma vez a sua impura clareza. A sua incapacidade para plagiar dogmas, tradições e religiões por ter uma lente muito própria, uma forma muito sua de decantar o mundo. É o homem que esteve no mosteiro mas que sabe - e diz - que o seu ligar é a rua, é a vida. Para falhar melhor, como dizia o outro. E cantar o falhanço - e o gesto de se levantar e olhar em frente - com aquela elegância que se lhe conhece.
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