Quem assiste à crise portuguesa sentado num apartamento londrino não deixará de ficar com a impressão de um verdadeiro êxodo rumo a outras paragens. Num fórum de portugueses emigrados chegam quase diariamente novos membros. Na rede Couchsurfing também se repetem os pedidos de portugueses. Alguns querem simplesmente dicas e uma ou outra ajuda, outros querem um sítio onde ficar antes de se lançarem à aventura. Uma verdadeira aventura, porque saem sem nada definido e aproveitam os dias aqui para procurarem trabalho, irem a entrevistas, com a esperança de não terem de utilizar o bilhete de volta.
Mas há muitos bons exemplos ao virar da esquina portuguesa. E é nesses que me quero concentrar. Agarrar-me às hipóteses que vão sendo construídas. Porque tanta má notícia só pode paralisar. Gosto de ouvir falar dos projetos de amigos que não caíram na desesperança, que criaram empresas e desenvolveram ideias – a maioria por necessidade, é certo – e que estão a dar os primeiros frutos. Sentados em Portugal, apostam e conseguem competir no mercado internacional. E os bons exemplos continuam: apesar da moribunda produção cinematográfica independente, o João Salaviza saiu de Berlim com um Urso de Ouro e o filme “Tabu”, de Miguel Gomes, também venceu uma estatueta. Profissionalmente, somos muito bem vistos aqui no Reino Unido, se calhar porque estamos habituados a longas horas de trabalho. Leio também que muitas empresas de têxteis estão a abandonar a aposta na mão-de-obra barata chinesa e a voltar a investir na qualidade portuguesa.
E ainda poderia falar na coragem de muitos: aqueles que fazem ouvidos moucos às precauções e se despedem para concretizar ideias que há muito os habitavam. Abrem cafés e lojas, hostels e revistas. Há ainda quem diga agora ou nunca e ensaie novos estilos de vida, concretize projetos jornalísticos muito interessantes, viaje à volta do mundo com os filhos ou decide que está na altura de largar tudo e desenhar os próximos cinco anos nos cinco continentes. Apesar da época de incertezas, ou se calhar por causa dela, continua a haver pessoas decididas em seguir novos rumos. Não será certamente fácil para nenhum deles. Mas invejo-lhes a coragem. Não sei se faria o mesmo se tivesse um emprego certinho. Apesar de há muito não saber o que é ter um emprego certinho. O último que tinha acabou quando a editora faliu no início deste século. Na altura já se falava de uma crise na Europa. Tenho a impressão de que nos vamos ter de habituar a ela, pelo que se calhar valerá a pena deixá-la a falar sozinho (ou mais baixinho) quando estão em causa decisões pessoais. Ainda não encontrei a melhor maneira de o fazer, confesso. Mas lá chegarei, lá chegarei.
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