Meu querido Naldo, Rei dos portugais daquém e dálem mar,
Estava para aqui a tentar sacar uma croniqueta sobre esse excitante tema que é a política portuguesa e o meu coração a uns milhares de quilómetros de distância. Está contigo a beber uma Brahma geladinha num boteco qualquer aí no Rio de Janeiro. Está nervoso, o cabrão. Será que a minha Portela ganha? Os meus olhos não viajaram com a traidora bomba encarnada, a puta devia ser azul e branca como o mais sagrado estandarte, não vou poder ver os meus irmãos e irmãs da minha escola a desfilar defendendo as minhas cores. Mas não preciso de ver para saber que há um bocadinho de mim em cada passista, há um bocadinho da minha melancolia lusitana na mulata que requebra ao som do enredo, um bocadinho da minha histriónica alma minhota num branquela do bloco.
Pede mais uma cerveja, Reinaldo. Afoga o meu coração para que eu possa esquecer que os meus pés não podem bater ao compasso do samba que se ouve por detrás dum morro. Só mais uma, para que eu possa esquecer que a minha terra é tão grande, tão grande, que não consigo vê-la daqui; que apesar do sol brilhar aqui em Lisboa, sinto-me gelado por não poder estar no local onde o meu coração está.
Até quarta-feira visto-me de azul e branco para não esquecer que pertenço a um mundo que vai de Trás-os-Montes até a Amazónia, que não existe nem Portugal, nem Angola, nem Cabo Verde, nem Brasil, há apenas uma alma grande que viaja dos musseques de Luanda até aos bidonville de Paris passando pelas casinhas brancas alentejanas ou pelas casas de tolerância de São Salvador. Vai sambando, cantando fado, dançando mornas até que desfalece num bar entre copos de vinho e tragos de aguardente.
E a Portela, Naldo ?
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