Também eu me junto à trilogia das crónicas sobre o tempo, esse bem indefinido e homogéneo de cuja falta nos queixamos tanto. Esse tempo que tanto anda nas bocas do mundo que já se tornou habitual queixarmo-nos dele logo a seguir ao passou-bem. Até fica mal dizer que não, está tudo bem, andamos cheios de tempo. Isso é coisa de pessoas pouco ambiciosas, sem interesses e projetos, vida social ou seriedade. Habituámo-nos e queremos seguir os exemplos das personalidades que muito aparecem e muito fazem, conseguem ser médicos/advogados/engenheiros de sucesso, comentadores, professores universitários, consultores e presidentes de assembleias-gerais de clubes e de associações profissionais e ainda qualquer coisa numa administração. Estão a par de tudo, vão a congressos e jogos de futebol, leem e viajam muito, e de vez em quando lá lhes sai mais um livro da manga. E nós? Não temos tempo para isso.
Andamos a ser enganados, é o que é. Tal como as adolescentes que acreditam nas modelos que dizem sempre, mas sempre, que não têm quaisquer preocupações com a dieta pessoal.
Mas não são apenas os especialistas do tudo que nos trocam as voltas. Somos voluntariamente enganados, e com prazer. É o ruído que nos lixa, mas nós deixamos. Queremos perder a nossa capacidade de concentração, porque há chats a exigir atenção imediata, mails que necessitam de ser constantemente consultados não se vá perder algo, mensagens que não aceitam respostas atrasadas. Quem disse que as novas tecnologias nos iriam permitir poupar tempo? É urgente estar atualizado – este mesmo texto foi interrompido vezes sem conta para acompanhar o resultado do Arsenal e, já que por ali andava, ler outros artigos do Guardian. Não temos coragem de perder um acontecimento, parar é morrer e tal. Afogueamo-nos na tal teoria que exige que nos mantenhamos ativos e produtivos, a viver cada dia como se fosse o último (mas ninguém aceita que eu queira viver o meu último dia sentado a ler o jornal).
Porque a verdade é que nós temos tempo… necessitamos é de parar para conversar com ele. Desligar com jeitinho a correria determinada rumo a algo que se desconhece. Em vez de andarmos mergulhados nos acontecimentos em segunda mão devíamos tirar um tempinho para arrumar o quarto das emoções. Ou para ficar à janela a observar a neve a cair.
(continuo a esforçar-me por escrever segundo o novo acordo ortográphico)
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