Sábado, 11 de Fevereiro de 2012

andamos é a colocar demasiados likes na vida

Também eu me junto à trilogia das crónicas sobre o tempo, esse bem indefinido e homogéneo de cuja falta nos queixamos tanto. Esse tempo que tanto anda nas bocas do mundo que já se tornou habitual queixarmo-nos dele logo a seguir ao passou-bem. Até fica mal dizer que não, está tudo bem, andamos cheios de tempo. Isso é coisa de pessoas pouco ambiciosas, sem interesses e projetos, vida social ou seriedade. Habituámo-nos e queremos seguir os exemplos das personalidades que muito aparecem e muito fazem, conseguem ser médicos/advogados/engenheiros de sucesso, comentadores, professores universitários, consultores e presidentes de assembleias-gerais de clubes e de associações profissionais e ainda qualquer coisa numa administração. Estão a par de tudo, vão a congressos e jogos de futebol, leem e viajam muito, e de vez em quando lá lhes sai mais um livro da manga. E nós? Não temos tempo para isso.

 

Andamos a ser enganados, é o que é. Tal como as adolescentes que acreditam nas modelos que dizem sempre, mas sempre, que não têm quaisquer preocupações com a dieta pessoal.

 

Mas não são apenas os especialistas do tudo que nos trocam as voltas. Somos voluntariamente enganados, e com prazer. É o ruído que nos lixa, mas nós deixamos. Queremos perder a nossa capacidade de concentração, porque há chats a exigir atenção imediata, mails que necessitam de ser constantemente consultados não se vá perder algo, mensagens que não aceitam respostas atrasadas. Quem disse que as novas tecnologias nos iriam permitir poupar tempo? É urgente estar atualizado – este mesmo texto foi interrompido vezes sem conta para acompanhar o resultado do Arsenal e, já que por ali andava, ler outros artigos do Guardian. Não temos coragem de perder um acontecimento, parar é morrer e tal. Afogueamo-nos na tal teoria que exige que nos mantenhamos ativos e produtivos, a viver cada dia como se fosse o último (mas ninguém aceita que eu queira viver o meu último dia sentado a ler o jornal).

 

Porque a verdade é que nós temos tempo… necessitamos é de parar para conversar com ele. Desligar com jeitinho a correria determinada rumo a algo que se desconhece. Em vez de andarmos mergulhados nos acontecimentos em segunda mão devíamos tirar um tempinho para arrumar o quarto das emoções. Ou para ficar à janela a observar a neve a cair.

 

(continuo a esforçar-me por escrever segundo o novo acordo ortográphico)

publicado por Ricardo Correia às 18:35
link | comentar
1 comentário:
De aldasilvestre a 12 de Fevereiro de 2012
wow
é verdade que quando se fala em "último dia" ninguém se imagina sentado a ler o jornal :) e, todos queremos o mais bombástico dos dias... mas, já tenho experimentado ficar com o mais simples dos sentimentos de "estar apenas bem" e dar comigo a pensar: "se o mundo parasse agora..." - confesso que nessas alturas, só me tem faltado o jornal ;)

Comentar post

Autores

Pesquisar

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Últimos posts

Frangos & galetos

...

Contra nós temos os dias

Do desprezo pela história...

É urgente grandolar o cor...

Metafísica do Metro

A Revolução da Esperança

Autores do Condomínio

Hipocondria dos afectos

A família ama Duvall

Arquivo

Dezembro 2020

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

tags

todas as tags

Subscrever

Em destaque no SAPO Blogs
pub