Vamos por partes. Primeiro o "piegas". Há muito que não se assistia a uma declaração tão utópica na vida pública portuguesa, possivelmente mais utópica do que os discursos de Vasco Gonçalves nos idos anos 70. Pedir aos portugueses para não serem piegas é como pedir à Senhora Dona Merkel para ser uma sentimental. À Cátia da Casa dos Segredos para ser uma literata. Ao Cristiano Ronaldo para ser humilde. Não cola. Não dá. É delírio. O óbvio, sim, o óbvio: a pieguice é aquilo que caracteriza uma boa parte da Nação, mesmo que estejamos cada vez mais diversos e variados. Exageramos no sentimento, somos fiteiros por natureza, choramos por ninharias, berramos emocionadamente por coisas sem importância. Demoramos horas a despedirmo-nos de quem vamos ver no dia a seguir. Sabemos todos disso.
Depois a exigência. Foi pedido aos portugueses para serem mais exigentes. Aí, senhoras e senhores, meninos e meninas, jogadores da bola e leitores de Georg Trakl, penso que há margem de manobra. Sim, também eu quero a minha - permitam-me o palavrão - comunidade mais exigente consigo. Mais solidária. Mais compassiva. Mais atenta aos velhos abandonados. Mais capaz de ajudar quem não se consegue ajudar. De manga mais arregaçada para contribuir. Mais disciplinada (vá, um nadinha). Mais exigente consigo para depois poder ser mais exigente com os outros, inclusive o Governo da Nação, que, sabemo-lo, tem falhado nalgumas exigências importantes (em relação a nomeações, ordenados e deslumbres com capitais e mercados). Sou dos que acham que as pessoas, sobretudo aquelas que atravessam nebulosas e dificuldades, precisam de uma palavra, sim. Mas não de uma palavra de professora primária com a régua na mão a falar aos meninos mal comportados. Em vez disso, precisamos de uma primeira palavra piegas do primeiro ministro, até aqui demasiado metálico na postura. Que peça exigência e esforços e uma nova atitude mas demonstre ao mesmo tempo proximidade e empatia com quem habita a vida de todos os dias e não tem espaço na lancheira para ideologias. Qualquer gesto de aproximação por parte de Passos Coelho será um gesto piegas, mundano, convivial, nosso. Vá lá, Passos, o país precisa do teu lado Massamá.
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