Andei largos anos enganado com a ideia de que era o tempo a quintessência da vida. Julgo ter descoberto, por estes dias, justamente o contrário: a falta de tempo é que deve ser adorada como um deus.
É a falta de tempo que esculpe a verdadeira arte da sobrevivência. Sem tempo, não pensamos e, não pensando, não nos pomos perguntas e, não nos pondo perguntas, não fazemos aparecer problemas onde eles mais gostam de florescer: no nada. Sem tempo, vamos directos ao assunto, dispensamos conversas de circunstância, rodriguinhos, eufemismos e adiamentos. Se a conversa difícil vai doer, mais vale que doa já – e duma só vez.
Sem tempo, escapamos impunemente aos baptismos da prima, ao aniversário do coleguinha, à conversa do vendedor. Só nos detemos nas notícias realmente importantes, saltamos o suplemento de imobiliário e o dos empresários empreendedores. Dispensamos gastar dinheiro em livros que jamais leremos. A televisão é ligada em circunstâncias e com finalidades cirúrgicas (nunca mais programas de debate desportivo – só jogos do Benfica, em rigoroso directo e exclusivo). Todos os telefonemas que se podem resolver com um sim ou não assim serão tratados. Todos os emails de que não dependa o futuro da civilização ficarão sem resposta.
Sem tempo, um tipo descobre aquilo de que realmente precisa e aquilo de que quer mesmo cuidar. De quem lá está quando há e quando não há tempo, dos bichos de estimação que não têm culpa, das palavras dos amigos que não dispensa (incluindo certos escritores de canções e livros e filmes, a que se devem subtrair as revelações promovidas pelos especialistas a génios do mês).
O tempo é maravilhoso, mas demasiado fácil de perder.
Na falta dele, um tipo é mais lúcido. Só leva o que tem de amar.
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