Eu bem me esforcei. Andei atento às mais pequenas notícias nos jornais, arrebitei as orelhas para apanhar conversas interessantes nos cafés, estiquei o pescoço nos transportes públicos e fui acompanhado por um caderno interessado. Agora sentado à secretária, procuro-a no ecrã do computador. Olho para cima e respiro fundo. Não, não há iluminação divina que me entregue a tal ideia do dia. O que encontro é os telefonemas e os mails do dia sempre desejosos de atenção, escrevem coisas sérias, prazos e projetos, pedem respostas rápidas e orgulham-se da sua urgência.
Tamborilo os dedos impacientes e penso na palavra tamborilar com um sorriso desnecessário. Levanto-me. Outra vez. Demasiadas demais. E volto a sentar-me. Iludo a concentração com um zapping pela Internet. Arrumo a secretária, é preciso ordem para encontrar crónica, acho eu. Outras tarefas mostram-se subitamente essenciais, é agora que resolvo finalmente aqueles recibos verdes e transferências bancárias pendentes. Roubam-me tempo e eu deixo-me enganar. Sou um procrastinador, mas não o confesso. Ninguém o faz enquanto adia com prazer.
Algumas ideias, tímidas, manifestam-se. Uma fala-me da dificuldade de definição cultural da segunda geração de imigrantes e do uso do véu nas londrinas mulheres muçulmanas e etecetera, mas já está muito lida e discutida. Outra dos pequenos errors que vão conquistando a language dos immigrants portugueses em London. Não me convence. Há os festejos do Ano Novo Chinês em Chinatown. Ou mesmo a peculiaridade de acompanhar o pequeno-almoço com um relato em direto de um jogo de ténis na rádio BBC5. Mas esta não consigo converter num texto sumarento. Desisto, vencido pela inércia e as ideias que me abandonam. Sempre é melhor do que aqueles cronistas que escrevem uma não-crónica sobre as dificuldades que tiveram ao escrever a crónica.
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