"(Quem acerta co'os botões/
deste velho? Venha a cidade/
ajudá-lo a abotoar/
que não faz nada de mais!)
Alexandre O'Neill, "Velhos de Lisboa"
O Hugo Gonçalves tinha um blogue chamado "Abram os Olhos". É um título que me faz cada vez mais sentido. Não para os noticiários internéticos e televisivos mas para a vida que corre nas ruas. Sim, os olhos costumam estar disponíveis (uns oferecidos eles!) para "as notícias da actualidade" e encerrados para a rua onde vivem. Estas notinhas vêm a propósito de algumas exclamações que se ouvem nas esquinas a propósito dos velhos que têm aparecido mortos em casa. Há choque, pavor e até às vezes indignação. Como é que é possível? e que tais. Como é que foi possível? Estranho seria se não o tivesse sido, minha senhora. Se calhar até foi por causa dessa desatenção à rua, a tal que pouco aparece nos títulos e nas aberturas de telejornal, a não ser que um canguru perneta tenha sido por lá visto com a "Dica da Semana" debaixo do braço. Sem o extraordinário e sem o bizarro, a rua - onde vivem velhos mas também novos e crianças e gente com e menos guito - não é, digamos, considerada. E depois vai morrendo gente sozinha que só é encontrada uns meses depois.
São velhos. Mas podiam ser novos, daqueles que congelaram as possibilidades. Eles podem aparecer, podem - digo-o sem vontade de impressionar mas com a consciência de que enquanto a crise é elegantemente analisada nos espaços de informação há quem vai começando a gritar sem quem ninguém ouça. Desça à rua não a poesia (que essa nunca de lá saiu) mas uma qualquer utopia comunitária, cada vez decisiva nos domésticos territórios onde o Estado não consegue chegar. Vizinhos a tratar de vizinhos. Vizinhos a perguntar por vizinhos. Vizinhos - aqueles que o podem, são muitos - a visitar quem não tem visitas. Talvez assim deixe de haver tantas surpresas e exclamações com notícias como esta. É isso: há muita boa gente a precisar de ajuda com os botões.
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