Primeiro queria falar do novo - é sempre novo, sempre novo - disco de Leonard Cohen. O deslumbre é tão forte que me esgota a adjectivação. Talvez fale do disco - melhor, estou certo que o farei - quando terminar de o ouvir e de o ler. Agora só o posso antecipar. Mas uma coisa leva à outra,as palavras existem à espera de serem usadas e reusadas. E encontrei estas, nascidas há pouco para habitarem outro lugar, vi que estava a falar de Cohen sem falar dele. E por isso essas palavras voltam a nascer aqui. Preguiça? Cohen justifica até a preguiça.
O silêncio das palavras
Já o escrevi e disse centenas de vezes. Não porque quero matar de tédio os meus escassos interlocutores mas apenas porque considero uma das poucas verdades em que acredito, impermeável à passagem dos dias. E a verdade é esta: tudo tende para o silêncio, porque é ele que tudo contém. A vida, a arte: tudo almeja o indizível. As palavras são uma triste mediação porque nunca conseguirão dizer o que realmente se sente. Para quem faz da escrita a sua vida elas são a mais bonita das impossibilidades.
Neste sentido, a poesia – a palavra poética – será o que mais próximo ficará desse lugar tão secreto que queremos partilhar. A poesia é uma investigação da verdade e da alma, uma depuração constante e exigente que no seu melhor nos alimenta sempre com o que não se escreveu e ficou por dizer. E aí é que nós estamos, e aí é onde está o poeta.
Nem o que escrevo é original: desde sempre houve quem sentisse e comprovasse este paradoxo de não se poder dizer o que se sente: de Wittgenstein a Beckett, passando por Fernando Pessoa ( «O poeta é um fingidor»...) a constatação do silêncio como derradeiro lugar da alma parece evidente.
Faz então sentido dizer poesia? Faz. Mesmo preferindo a leitura para mim mesmo, sei que a palavra é a última feitiçaria que nos resta, o vestígio de magia a que ainda temos direito. Capaz de levantar corações, incitar revoltas, gerar ficções, criar manifestos, suicídios, paixões inexplicáveis.
Por isso sempre me encontrarão perto dessas cerimónias em que a palavra anda à solta, sem medo e sem dono. A poesia é uma utopia solitária e a única que me interessa neste mundo. Agarro-me a ela tantas vezes que se confunde com a vida. E sempre com a esperança que a magia funcione, mesmo sabendo que não há resposta à pergunta em verso de João Miguel Fernandes Jorge: «como hei-de prometer as coisas».
(publicado no magazine do SlamLX nº3, dedicado à Slam Poetry)
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