Acho que foi Ary dos Santos quem um dia disse que a palavra é uma arma, o que faz do actual governo um pelotão de fuzilamento. Segundo a Wikipedia, “um pelotão de fuzilamento é composto por um grupo de pessoas (geralmente soldados) que recebem ordens para disparar em simultâneo contra a pessoa condenada.” Quem diz soldados, diz ministros, secretários de estado ou deputados.
A estratégia motivacional deste governo iniciou-se há algumas semanas atrás quando Alexandre Mestre, secretário de estado do Desporto, sugeriu aos concidadãos desempregados que abandonassem a sua zona de conforto e emigrassem. Não foi por acaso que o primeiro repto lançado aos portugueses para se pôrem na alheta veio de uma pessoa cuja principal função no governo é ocupar lugares reservados em estádios de futebol e ir buscar atletas medalhados ao aeroporto. Se atentarmos no valor da sua declaração, e a isso juntarmos as funções que desempenha, verificamos que Alexandre Mestre está para o trabalho governamental um pouco como Jorge Máximo está para o terminal de chegadas em Lisboa ou para o Estádio da Luz.
O abandono da zona de conforto evocado por Alexandre Mestre esbarra num detalhe tão pequeno que até parece picuinhas da minha parte mencioná-lo, mas cá vai: para boa parte dos portugueses, não existe. Portanto, quando alguém sugere a 700 mil desempregados que abandonem a sua zona de conforto, é importante verificar alguns pressupostos. Primeiro, convém certificar-se de que os destinatários da mensagem residem nesse código postal onde tudo é seguro e adquirido. Como isso não será possível, terá que induzir todas estas pessoas num transe qualquer e convencê-las a abandonar o sítio imaginário onde vivem. Em seguida, deverá ligar para todos os aeroportos e estações de comboios e pedir um reforço de pessoal. Como em todos os processos de escoamento de stock, há uma importante dimensão logística que é preciso ter em conta.
Poderia parecer que estou a dar demasiada importância às palavras de Alexandre Mestre, não tivessem estas ganho alguns seguidores ilustres. O Primeiro Ministro, já esta semana, mostrou afinal de contas porque é o candidato mais africano de todos e recomendou os PALOPs como futuro destino de dezenas de milhares de professores - isto se os ditos professores não quiserem mudar de área. Todos os que estiverem dispostos a enveredar por outra carreira - e imediatamente perceberem que tal só será possível na secção de frescos do Pingo Doce – poderão seguir o conselho sábio de Alexandre Mestre, que tem a vantagem de alargar as possibilidades para além dos PALOPs. O mundo é uma ostra, amigos, e os nossos antepassados foram grandes descobridores, como oportunamente referiu o historiador Miguel Relvas.
Mas não se pense que isto são só umas bocas mandadas para o ar sem qualquer tipo de consideração pelos portugueses. Não senhor. O eurodeputado Paulo Rangel já veio a público para transformar a sugestão em visão estratégica, sugerindo a criação de uma agência de apoio à emigração. Parece-me uma ideia interessante, especialmente se fizer pelos portugueses aquilo que o PSD fez por Paulo Rangel, obrigando o advogado nortenho a abandonar a sua zona de conforto para viver em Bruxelas e representar os nossos interesses (vá lá, não se riam). Moral da história: portugueses e portuguesas, amigos e amigas, malta, sócio, já percebeste: eras o maior se nos fizesses o favor de abandonar a zona de conforto. Ou desconforto. Epá, o que te soar melhor. Desde que te ponhas a andar, até lhe podes chamar Portugal.
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