O meu filho Sebastião gosta de histórias. Gosta de as ler e gosta de as contar. Diverte-se a escrevê-las como só se divertem aqueles que não têm obrigação de as escrever.
Outro dia, o meu rapaz entrou-me pela minha sala adentro com aquele ar só dele, como quem pede desculpa por estar a incomodar mas não pode deixar de o fazer. O método é sempre o mesmo: entra devagarinho, estica o pescoço por cima da minha cabeça, finge que se interessa pelo que estou a fazer, faz um comentário qualquer acerca da música que estou a ouvir, conta um episódio da escola mais para cumprir o que julga fazer parte do seu papel de filho e, inconscientemente, abana a cabeça.
Os olhos e aquele abanar de cabeça chegam para dizer quase tudo acerca dele. Aqueles olhos pequenos, rasgados, muito afastados, parecem ímanes. Curiosos, ávidos, mas sempre focados. Marca os objectos, as pessoas, as situações como se naquele momento o mundo parasse e nada mais existisse senão o seu alvo de atenção.
O abanar de cabeça é o seu gesto de passagem. É como quem diz, vamos ao que interessa. Uma coisa do género “Eu sei que há umas tretas que é suposto eu dizer ou fazer, e até não me incomoda nada fazê-lo, mas agora já chega”.
Confessou-me andar um bocadinho angustiado. Disse-me que andou a passar os olhos pelas coisas que já escreveu e está sem assunto. Pior, pensando que só tem quinze anos, como diabo irá cumprir o seu sonho (do momento, claro está) de ser contador de histórias se a partir de agora, segundo ele, se vai repetir vezes sem conta.
São tão poucos os momentos em que nós como pais nos sentimos úteis que quase fiquei feliz com a angústia do meu rapaz. Só quem nunca ouviu um pedido dum filho, quem nunca se confrontou com a obrigação de indicar este ou aquele caminho, quem nunca ralhou, quem nunca contrariou ou consentiu, pode avaliar o alivio que se sente quando se sabe exactamente o que dizer, quando não se tem um pingo de dúvida acerca do conselho certo.
A vida dum pai é feita de angústias, dúvidas, medos. As mais pequenas decisões, os mais pequenos gestos fazem-nos perder noites: será que dei o conselho certo? Fui justo quando lhe berrei? Será a melhor escola para ele? Estou a dar um bom exemplo? Servirei para alguma coisa? Estou a condicioná-lo?
Só me apetecia agarrá-lo e cobri-lo de beijos. Agradecer-lhe a pura felicidade que me estava a dar naquele instante. Eu sei a resposta, sei mesmo. Eu e toda a gente que gosta de histórias.
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