Os ingleses gostam de dizer que a “cream always rises to the top.” Em Portugal, acontece o mesmo com a mediocridade. Para onde quer que olhemos, nos jornais, na rádio, na televisão, nos blogues, no balcão deste e daquele organismo público, nos centros de decisão e nas periferias de indecisão, no epicentro da burocracia ou nas réplicas da incompetência. Enfim, a cultura de mediocridade é hoje um traço característico do país. Isto torna-se óbvio quando percebemos que a maioria das pessoas com notoriedade, autoridade ou influência no espaço público são indivíduos que, ou não nos representam, ou não sabemos muito bem como ali chegaram. Mais cedo ou mais tarde, perguntaremos porque é que continuam ali.
Da opinião à comédia, passando pela política, pela cultura ou pelo folclore da fama, a mediocridade lusa continua a prevalecer sobre a meritocracia como se a sobrevivência da nação dependesse disso. É ao contrário, malta. Se o saber não ocupa lugar, a mediocridade portuguesa ocupa demasiados. Como costuma desabafar um amigo meu quando recebe cartas das Finanças: MORRAM. A sério. Desapareçam-me da vista. Desamparem a loja. Inexistam.
Eu tenho um sonho: que por cada holofote indevidamente apontado, possamos todos em breve contabilizar um cadáver mediático. A causa da morte, já perceberam, será a mediocridade. Imbuídos de boa vontade - demasiada - fizemos tudo o que podíamos para manter o paciente vivo: mudámos para o canal, votámos nele, subscrevemos a sua opinião, cantarolámos as suas músicas, e visitámos a sua exposição. Até que um dia, para bem dos nossos neurónios, deixámos de o fazer. E passámos a perguntar: quem é esta gente? No processo, tornámo-nos todos um bocadinho melhores. Sempre que alguém me fala da fuga dos cérebros, ou da retenção do talento, eu questiono-me: quantos talentos, ao invés de fugirem, não estarão simplesmente a evaporar-se, esvaziados por uma mediocridade reinante, orgulhosa e estacionada?
Pedem-me alegria de viver perante a adversidade; desafiam-me a ser empreendedor com a insistência do mais insuportável vendedor. Eu peço de volta: dêem-me um país com menos gente que ninguém quer ser quando for grande. Façam-me acreditar que vivo numa cidade com menos okupas: sim, porque a verdadeira ocupação clandestina vai muito para além do prédio devoluto. Encontramo-la na televisão, no parlamento, nas empresas, e onde mais vos ocorrer. É importante, senão vital, que o escrutínio público viva cada vez mais desta convicção. O inferno são os outros, mas parte do cancro somos nós.
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