Em vez da historieta introdutória seguida do corpinho intermédio e da tirada final, mato já a crónica: viva o amor.
O Telê Santana, nos anos 70 e 80, era unanimemente considerado o melhor treinador brasileiro. Ainda hoje é considerado um dos maiores treinadores brasileiros de todos os tempos, mas para o adepto comum de futebol foi o tipo que perdeu o campeonato do mundo de 82 com o melhor grupo de jogadores jamais reunido.
Há quem despreze o bom do Telê por ter perdido o campeonato, eu idolatro-o por ter tido a coragem de o perder. Sim, senhor, coragem. A coragem cega, irracional, suicida que o amor dá. Vejo o Telê naquele personagem, dum livro e dum autor que não recordo o nome, que sabia estar a ser envenenado pela sua amada e mesmo assim bebia sofregamente o veneno que ela lhe dava todas as noites.
Pois claro, o grande Telê não sabia que o Júnior não era defesa esquerdo. Também não sabia que era impossível ter um meio campo com o Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico. Pois, pois. O homem que ganhou o campeonato mineiro para o Grémio retirando a hegemonia duma década ao Inter, o mago que transformou os italianos do Palmeiras numa equipa de respeito, que fez do São Paulo o melhor time do mundo, não sabia que nem que a vaca tossisse ganhava o Mundial com aquelas estrelas todas. É, o Santana era ceguinho. Não era, com certeza, ele que estava no banco quando o Brasil por um triz não se apurou para Espanha com exactamente os mesmos jogadores com que se apresentou na prova. Por favor. Ás tantas era um clone dele a orientar a equipa em 86, a tal que chegou à final com um conjunto de jogadores que nem para os calcanhares da de 82. Vão mas é lamber sabão.
O homem sabia que ia perder. Deve ter perdido noites inteiras de sono, angustiado, a antecipar os apupos, os insultos, as críticas. Que podia ele fazer? Faltar ao respeito aos deuses do futebol e atirar o Júnior para o banco, ou o Falcão, ou o Sócrates, ou o Zico, ou mesmo o Toninho? Vê-los ali todos juntos não valia bem um campeonato do mundo ? O Telê sabia que sim. Não há taça, torneio que compensasse um passe rasgado do Falcão, um nó cego mágico do Zico, uma revianga do Júnior, uma correria – sempre de costas direitas – do Sócrates. Ali, como se estivessem de novo num pelado a brincar ao futebol.
O Telê amava demasiado o jogo para nos privar de tudo aquilo. Há mais, muito mais, no mundo do que a vitória e a derrota. A arte, a beleza, valem milhões de vezes mais que uma taça, e o Mestre sabia-o.
Viva o grande Telê Santana.
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