O Pedro é um herói pessoal. Por conhecê-lo, na sua basta carne e algum osso, sei que não foi romanceado, amaciado por biógrafos, desinfectado de contradições. Está tão cheio delas como de livros as estantes que tem em casa, e mais os discos, a revista aberta – casualmente na crónica por ele assinada –, os filmes vistos ou por ver, debaixo da televisão que transmite um jogo que põe frente a frente o Futebol Clube do Porto e outros fulanos quaisquer.
O Pedro é o tipo que fez o que todos os outros arranjam desculpas para adiar: mudou de vida. Ali à beira dos 40 anos, com a doença a querer puxá-lo cobardemente para o lado de lá, meteu os pés à parede e começou de novo, com a folha em branco. Arriscou expor-se ao ridículo de se tornar um quarentão principiante, perder dinheiro, cometer erros, descobrir se tinha talento que chegasse para patrocinar a sua paixão, confrontar-se com o fracasso. Deixou os negócios e foi aprender a escrever da única forma possível: escrevendo. Sujeitando-se ao escrutínio de quem é complacente com jovens líricos e impiedoso com calmeirões ruidosos em busca do tempo perdido.
Venceu. Acertou o compasso entre quem é e a sombra de quem queria ser. E fê-lo sem perder nada pelo caminho. Pelo contrário. Continuou a ter a porta aberta para os amigos, a mesa cheia para repastos e conversas, uma história na ponta da língua a propósito de qualquer assunto, uma recordação, a espontaneidade de enfant terrible que disfarça o trabalhador sério que se prepara e documenta como poucos.
Sobretudo, debaixo da personagem tagarela e vaidosa, permaneceu o matulão companheiro, cheio de ternura e atenções, cultor de amizades e heróis literários, incertezas e questionamentos que o hão-de continuar a trazer à suave superfície da felicidade.
A vida é mais fácil com tipos como o Pedro por perto. O mínimo que um gajo pode fazer é não cometer a ingratidão de a deixar passar sem nunca lho ter dito.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.