A cidade é uma puta. A cidade é open source. Na minha cabeça, uma canção desenha-a melancólica, lenta e silenciosa. Cá de cima, de onde a vejo, as luzes definem o espaço e pouco mais. E ali estamos, os dois, convergentes. Adaptados. Longe do ruído da movida, dos putos em Santos, das greves, dos fados, do vírus, das bichas histéricas, dos machões subtis, do lixo e do quotidiano. Cá de cima, a cidade em pleno descanso, como eu a quero, obedecendo ao som lânguido da canção.
No fundo da sala, uma mulher de pernas elegantes murmura sexualmente por cima de um piano transparente. Ela canta Summertime. É Dezembro, agora, e está calor cá dentro. É 1 de Dezembro e os espanhóis foram embora. A sala está praticamente vazia e a cidade também. A mulher continua a cantar. A cidade continua a moldar-se e a ficar cada vez mais vazia. A sala mantém-se. Quando é que a cidade descansa? Quando nós quisermos. Quando lhe dermos descanso e a olharmos em silêncio, com cobertores, e ela ficar quente como na canção Summertime, em Dezembro.
A mulher canta, agora, a última. Dou o último gole. Um último e amargo gole, com a angústia do fim momento. Na janela, os olhos reflectidos a projectar a cidade, a verem-na como gostariam que ela fosse, às vezes. A mulher ri-se, cúmplice com o piano transparente que ensaia uma melodia doce. A angústia volta a desaparecer. A cidade ronrona. Ali, de cima, na janela, ao lado do piano transparente e da mulher de pernas elegantes que murmura canções. Um último fôlego. And i say to myself, what a wonderful world. Acabou.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.