Tenho uma ideia bastante alargada e vagabunda da escrita criativa - costumo distendê-la com assumido prazer quando sou convocado para uns workshops (sim, termo indispensável a todo o moderninho) sobre o assunto. A escrita criativa pode ter fins artísticos, mas também pode ter objectivos puramente lúdicos e pessoais. Por exemplo, parece-me que não há exercício mais evidente de escrita criativa do que as trocas de emails colectivas. As trocas de emails colectivas são as cantigas ao desafio pós-modernas. E, tal como as cantigas ao desafio, podem dar origem a momentos memoráveis. Algumas das trocas de mails são textos muito divertidos de ler - e alguns até mereciam, quem sabe, devida compilação. Um diz mata, outro diz esfola. E ainda vem alguém exigir, de forma hilária, o enterro compulsivo da coisa. Toda a gente se esforça para ser inventiva e engraçaducha sob o ponto de vista da forma e do conteúdo. O que pode ser irritante, por um lado. E produtivo, por outro.
Criam-se palavras, lançam-se aforismos de spa e café, engana-se propositamente a gramática e a pontuação. Joga-se com as palavras como os reformados jogam à sueca nos jardins da cidade. Como a malta de Chelas se lança, durante horas, ao improviso do rap. Em cada linha, a vontade de surpreender. A sedução, elemento fundamental a toda escrita criativa, é constante. A verve também (e as trocas de emails colectivas, ao contrário de outros exercícios de escrita, bem mais moles, são quase sempre enérgicas). Existe também um lado de brainstorm, esse desorganizado ninho de muitas criatividades. O resultado pode ser chato e cansativo (e muitas vezes é; percebo o desespero de receber lençóis intermináveis de mails, muitas vezes incompreensíveis) mas também pode ser vibrante e trazer rasgo. De uma conversa emailística colectiva, aparentemente inconsequente, saem, por vezes, achados e óptimas ideias - e também muita asneirola e tiro ao lado. Mas não há brainstorm sem disparate.
É claro que os SMS's também cabem neste item cada vez mais viajante da escrita criativa. Sobretudo os mais épico-românticos. Deixem-me, neste momento de entusiasmo, utilizar linguagem de evangelista televisivo: até na escrita criativa o amor é milagroso. O mais desimaginativo burocrata, em instantes apaixonados, faz um esforço para enviar frases com efeito. E há quem possa, se tiver engenho e arte para tal, pensar até em ambições de escrita maiores. Li num artigo que saiu no último Courrier Internacional que há hoje no Japão escritores que se dedicam a escrever ficção para telemóvel. As entidades paternas que não desesperem sempre que os filhos estiverem a escrevinhar mensagenzinhas pela noite dentro. O adolescente pode encontrar futuro naquilo que se convencionou chamar, num tom bem menos poético, "produção de conteúdos". É como jogar à bola. Feliz a hora em que a mãe do Messi o deixou ir para a rua humilhar o mundo com as suas fintas.
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