Segunda-feira, 21 de Novembro de 2011

lisboa resumida

A viagem começa com uma pergunta perversa: que sentido tomar? Dos Prazeres à Graça ou da Graça aos Prazeres? O tempo fez-nos cínicos. Vamos do céu ao pecado.

 

Eleita pelo Rough Guide uma das mil experiências de viagem mais importantes do mundo, a carreira do 28 é uma montanha russa entre prédios e cicatrizes, carrossel de adultos, carícia de 40 minutos pela face de Lisboa, sem que a cheguemos a beijar.

 

O embarque acontece na Graça, onde Lisboa paira sobre si mesma. Depois, começa a queda. Entre pátios, escadinhas e becos, descemos S. Vicente, ao lado dos túmulos de reis e artistas. Chegamos às Portas do Sol onde a vista se abre ao Tejo, a Cerca Moura vive paredes-meias com esplanadas da moda e o motorista anuncia: “Castelo! Castel! Castillo!”. Saem turistas, entram velhinhos do bairro e a descida prossegue, assinalada com a buzina-trinado de pássaro eléctrico. Ergue-se o Centro de Estudos Judiciários porque a justiça nacional também é “very typical”, ali onde outrora foi a prisão do Limoeiro e Bocage apodreceu. Duas igrejas escoltam a Sé até à Baixa, entre retrosarias, drogarias e lojas de souvenirs geridas por indianos.

 

Ao lado dos ministérios do Terreiro do Paço, tocamos o fundo. Depois, voltamos a subir, serpenteando pela Calçada de S. Francisco até aos teatros S. Luiz e S. Carlos, às estátuas e ruas dos poetas Chiado, Pessoa, Camões, e Garrett (de que falarão à noite, quando todos partem?). O 28 despede-se do Bairro Alto e acelera. Espanhóis, alemães, americanos, estranhos de toda a parte seguram-se como podem. Subimos para a parte rica. São Bento, Lapa e os cafés de bifes caros, a Assembleia que rouba todas as fotografias, as embaixadas, as escolas chiques. Diante da Basílica da Estrela, tempo para uma última oração. Dali a pouco, a estação final. Não nos aguardam letreiros de néon nem odaliscas; antes, as portas do cemitério.

 

Nada de ressentimentos. Aqui repousa Cesário Verde, máximo poeta da cidade. Enquanto esperamos o eléctrico de volta, relemos, em silêncio, “O Sentimento Dum Ocidental”.

 

Esta carreira não deveria terminar aqui. Estendessem carris pelo mundo e veriam do que seria capaz.

 

 

Publicado na Azorean Spirit #46

publicado por Alexandre Borges às 01:52
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