Acabo de ouvir António Barreto dizer que a pátria é como um velho casaco agarrado ao corpo, em que conhecemos cada pormenor seu, cada bolso, cada buraco, cada costura. Quando regressamos a casa a memória reflecte-se num instinto de reconhecimento.
Sempre que regresso ao Porto, regresso a casa. O carro desvia-se intuitivamente dos mesmos buracos, os pés avançam sozinhos por cada viela. Não perco um segundo a pensar para onde vou. À noite, o cheiro do rock'n'roll leva-me aos mesmos lugares, onde bebo a mesma cerveja. O meu corpo e a minha memória são conservadores.
Há um conforto divino nesta ideia de casa. Vá para onde for, quero sempre regressar e lembrar-me fisicamente de mim mesmo e de como a cidade faz parte de mim. Vejo-a com a memória do primeiro beijo, do primeiro disco, do primeiro cigarro, dos amigos, da felicidade inconformada da adolescência. Mas, vejo-a, também, com a memória dos dias normais, do quotidiano, das suas incríveis imperfeições.
Depois, vem a linguagem: descomprometida, livre e leal. É nela que me entendo. Não preciso de fazer qualquer esforço para encerrar mal-entendidos e desentendimentos. Conheço todos os gestos, porque são, também, os meus gestos.
Num texto que o meu amigo RPS teve a gentileza de transcrever em 2009, o Eça questiona - e bem - a finalidade das viagens. Que sentido faz, então, conhecer sem conhecer? Há um mundo à nossa porta que insistimos em ignorar. E se há coisa que não consigo suportar é esta ideia aberrante do "ter mundo". Vale mais uma rua do Porto c'a Gaia toda, dir-se-ia. Conheço a América dos discos, dos livros e dos filmes. Porém, dificilmente compreenderia um pouco melhor os homens se não fossem as conversas de café de todos os dias, os passeios lânguidos pelas vielas e os fragmentos de emoções que coleccionei das relações de uma vida - coisas que nunca alcançaria numa visita de duas semanas.
Não há provincianismo no Porto. Há, sim, um culto da cidade que nasce da sua imensidão. Não gosto que falem mal do Porto. Tão só porque o Porto também sou eu.
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