Alguns dias atrás, num café de Lisboa, mesa do lado. Ela: “Quantos anos tens?” A outra: “17. Quer dizer… 16.” A primeira, de olhar e tom melancólicos subitamente postos: “Gostava de ter a tua idade…” Pausa dramática. “Eu tenho 21.” E este “21” prolonga-se pesadamente no silêncio, deixando atrás de si um rasto de memórias e remorsos. 21 anos. Jesus. Uma vida. A pobre moça nem sabe como se aguenta de pé. O que foi preciso para chegar aqui – a outra nem pode imaginar. O tormento dos cinco anos que as separam. As voltas ao mundo, os filhos que se criam em cinco longos anos.
Eu, na mesa do lado, tentando não sufocar no pedaço de tosta de salmão acabado de se me enfiar na garganta, e tentando tirar notas para uma futura crónica no sinusite. E pensando: que raio de problema temos com a idade que temos?
A questão tem duas partes. Primeira: o nosso gosto em paternalizar os mais novos, tenham eles menos um ano ou cinquenta. Segunda: a nostalgia que alardeamos da vida que passou, confissão tácita de como e quando falhámos na vida. O encontro das duas partes reduz o problema ao absurdo: se preferimos a idade que algures tivemos, por que paternalizamos quem a tem agora? É, porventura, a nossa histórica tacanhez, jamais curada, a falar: o outro ainda não sofreu como eu, ainda não sabe, ainda não viu nada, não sabe o que o espera, ainda não se desapontou, ainda acha que vai chegar longe, ainda se sente especial, ainda não desistiu de tudo, ainda. Nós somos a fasquia da normalidade. O outro nunca poderá ir além dela. Não nos ínvios caminhos da nossa cabeça.
Copérnico, por vezes, parece nunca ter passado por aqui. Nem Freud, nem Darwin, nem Einstein. Aqui dentro, continuamos convencidos de ser o centro do universo. Um centro falhado, que é ainda mais grave, como se a estrela do nosso sistema solar fosse a desilusão.
Nas nossas manhãs iluminadas pelo pessimismo, temos dificuldade em pôr as coisas em perspectiva. Que atenção dedicaríamos a nós mesmos se nos encontrássemos agora diante de nós dez anos atrás? Por que é que estamos sempre convencidos de já ter vivido tudo? Por que é que os 16 anos e alguns meses da rapariga que os tentou arredondar para 17 devem sentir-se inferiorizados diante das 21 dramáticas primaveras da jovem em frente, bruscamente feita Matusalém-em-roupa-da-Bershka?
Amanhã, é o dia dos meus anos. Não chego lá como o motorista de táxi nem o pintor de casas que sonhei na infância, mas ao menos já não sou o tonto que aos 18 anos achava que ia marcar a literatura.
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