"You know when you throw a party, you think people will show up and no one will like each other. It's like that with music – parts of your musical psyche have never met other parts. You wonder if you should get them together. I used to think it was good to keep them apart. Now I kind of throw them in and see what happens."
Tom Waits deu, esta semana, uma entrevista ao Guardian, de onde retiro a citação supra.
Com a entrevista e a semana chegou, também, Bad as me às lojas e o Outono às nossas vidas. Como diria o outro: “everything in its right place”. Desconheço melhor época que esta para uma vida que está fechada nos discos, à espera de se libertar.
Este Outono entrou, porém, de forma um pouco desadequada, abrupta, apesar de extemporânea, dando razão aos fiéis do aquecimento global, arrasando os armários da meia-estação e confundindo o metabolismo da espécie. Cruzaram-se duas estações com características opostas e tudo isso gerou um conjunto de percepções que nunca se tinham encontrado.
Assim, o momento mais estranho que talvez tenha vivido em toda a minha existência, depois de não ter encontrado portugueses em Badajoz há dois anos, nem Espanhóis em Elvas, na Páscoa, aconteceu há dias, nessa vasta e inóspita região, assombrada pelo abandono civilizacional e pelo opróbrio – a Margem Sul, mais concretamente, na Costa de Caparica, também conhecida pela Flórida Portuguesa, local de excelência para uma reforma do alto-proletariado, com as suas camisas colonialistas e os cabelos armados, tudo muito amarelo ou em sépia. Mas, um momento singular, dizia, esse em que se confundiram dois símbolos estranhos entre si.
Descia a famigerada Rua dos Pescadores, por motivos que eu próprio desconheço, numa destas últimas manhãs de sol. A rua, que de pescadores tem pouco, acolhe o comércio local e o espaço envolvente concentra a grande percentagem de restaurantes. Talvez por isso, e pelo adiantado da hora, o vendedor das castanhas a tenha escolhido para se abancar. Acontece que, por causa do calor e das maravilhas do peixe ultra-congelado, alguns daqueles restaurantes aproveitam as benesses do aquecimento global para despachar as últimas sardinhas. Ficou, assim, no ar a mais improvável das coincidências; uma mistura de cheiros que caracterizam, cada um a seu jeito, o seu próprio tempo.
Tal como Tom Waits, somos demasiado bons a tomar as coisas por certas, nos seus devidos lugares, sem misturas. Em rigor, somos todos conservadores. Não damos muita oportunidade à fusão porque gostamos de ter a certeza do tempo, das mudanças de guarda-roupa, da fruta da época. Não ouvimos o próprio Waits no pico do Verão, o Anel dos Nibelungos de manhã ou a Tarde em Itapoã do Vinicius no dia de Natal. Só porque não faz sentido; não casa, como se diria na mais banal das mesas de dominó. Sentimos um desconforto antropológico, um embaraço entre a natureza e a própria roupa com que a fomos vestindo. Estranhamos, em suma, a oportunidade de juntar o melhor de dois mundos, de fazer sardinhas com castanhas – a nouvelle cuisine das estações.
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