A vida não está fácil para nós os que espirramos. Com a história da gripe somos logo olhados de lado pelos funcionários da repartição laboral ou familiar. Metidos de quarentena num quartinho dos fundos, temos por vezes de aguentar o espirro durante larguíssimas horas e só depois podemos soltá-lo epicamente como quem solta um Grito do Ipiranga nasal. Por estes dias espirrar é o supremo acto de liberdade. Há umas décadas as pessoas viajavam até Paris para poderem exprimir a sua opinião e pensar livremente. Hoje um tipo procura um exílio, bastante menos culto e literário, para poder manifestar a sua natureza alérgica. É desagradável. E chato. Deixem-me sofrer de rinite à vontade. Não quero ir para a clandestinidade dos que têm comichão no nariz.
O pior é que esta exclusão social é antiga, já pesa há muito bom ano. Experimentem andar de um lado para o outro com uma bombinha de asma no bolso. Uma vez, estava eu no local de trabalho, dei uma bombada de urgência e houve quem pensasse que me estava a drogar. Os olhos arregalaram-se, a boca encolheu-se como os indignados lábios de uma tia de província. Não, meus queridos, não sou o Keith Richards. Tenho menos charme: sofro de bronquite asmática e às vezes fico à rasca. Desculpem.
Vou-me sentindo cada vez mais sozinho nestes territórios sinusíticos - e a solidão do sinusítico assumido, acreditem, custa e muito. Anda tudo para aí a fazer jogging com a ficha clínica limpa ao peito. Assumimos pouco os defeitos, em particular os defeitozinhos de saúde. Somos todos corpos perfeitos, vendemos ar puro e pulmões imaculados no eBay, mesmo que tenhamos o pacemaker a carregar há duas horas. Chegou a altura de trazer os comprimidinhos contra a azia e o mau sono para cima da mesa. As clássicas bombas Ventilan e as outras, mais modernas, em tons rosa, que evitam a necessidade de usar as primeiras.
Estou farto de ser o hiponcondríaco do bairro. Gostava que todos os cidadãos do meu país assumissem as suas maleitas como homenzinhos que são. E que depois as comentassem como fazem as senhoras que passam o dia nos autocarros a queixar-se das dores nas costas. Não vai ser fácil, sei. Esta sociedade que vende saúde compreende mal quem, pelo menos na aparência, vende falta de saúde. O contrário também é verdade, admito. Sempre que me vendem saúde peço logo o internamento. A saúde não é para ser vendida ou ostentada. É uma sorte e, como tal, deve ser usufruída com recato e gratidão. Agora, se me permitem, vou para dentro porque isto está a ficar frio.
(anteriormente publicado no 'i' e actualizado no momento em que o ministro da Saúde avalia se vai ou não reduzir a comparticipação dos medicamentos antiasmáticos).
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