(Há mais um sinusítico no terreno de jogo. Eis a sua primeira crónica)
A minha rua são dois pelotões de prédios que, ao longo de quase um quilómetro, se confrontam. Esta particularidade faz com que o som se concentre no meio da estrada e ali fique até o silêncio regressar. Ontem, ouvia-se uma guitarra. Era uma guitarra clássica que soluçava um reef de rock, competente, por entre as ingénuas cordas de nylon. Outras noites são os vizinhos que discutem, outros que celebram. De vez em quando ouve-se um pastor brasileiro a louvar a Deus num radiozinho estrategicamente colocado no parapeito de uma destas milhares de janelas. Há também gemidos e, por vezes, até, um choro tímido que entristece um subúrbio inteiro; há telefonemas amargurados, discussões feias, correrias tardias, despedidas à Casablanca e cenas tórridas à Nove Semanas e Meia. Há pormenores em toda a parte.
Quando o convite para escrever no Sinusite surgiu, a primeira reacção foi “eh pá, não sei se tenho tempo”. Não é o tempo para escrever mas, sim, o tempo para observar com atenção os pormenores dos dias. Não ter nada para dizer.
A verdade é que há sempre algo para observar. Como escrevia Chesterton “O mundo nunca morrerá à fome por falta de maravilhas, mas apenas por falta de se maravilhar”. Vamos perdendo essa capacidade única de valorizar os pormenores, de observar as particularidades e acabamos a confundir esse conformismo com falta de tempo.
A minha sugestão é que façamos um esforço. Um esforço colectivo pelo maravilhamento, pelo optimismo e pela partilha – coisas bem lamechas de que estamos todos a precisar.
Jorge Lopes de Carvalho
P.S. - Obrigado pelo convite. Vou tentar não estragar nada.
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