O país acordou com olhos de letra a vencer amanhã e um orçamento de guerra no colo. Podemos tropeçar de ternura pelo nosso país, mas ontem levámos uma rasteira. O trocismo seria menos grave, claro, se a maioria de nós não estivesse, às 20 horas de ontem, a tentar levantar-se. O país faz hoje lembrar uma casa de banho acabada de lavar: cuidado com o chão escorregadio.
Olhamos para 2014 e não vislumbramos o fim da crise, ou a descontinuação dos sacríficios. Chocámo-nos durante décadas com os rituais de sacríficio auto-impostos por tribos distantes, narrados na televisão. Lembra-se dos filipinos vergastados em nome da religião, ou dos africanos com pedaços de bambu enfiados na boca? Agora imagine um português entre a espada e a parede. Melhor: um português trespassado pela espada a tentar escalar a parede. É você no segmento de curiosidades de um telejornal alemão.
Se por acaso vir uma luz ao fundo do túnel, desengane-se: quando lá chegar, vai encontrar o ministro Vítor Gaspar a delirar débitos e créditos alumiados por um manancial de boas intenções que não seremos capazes de engolir, porque nenhum de nós - nem mesmo o ministro - visualiza o final feliz desta história. Quanto à contabilidade da alma, essa, vai agora incorporar um passivo bem mais doloroso: já éramos um povo dado à nostalgia e ao fado, mas ainda não estávamos preparados para um sentimento tão totalizante e absoluto. Vamos todos sentir falta da vida que levámos até aqui.
Resta-nos manter a única atitude dignificante: sermos poor but sexy, e lutarmos ainda mais afincadamente por nós, pelos nossos, pelos nossos projectos, e por aquilo em que acreditamos, enquanto novas ideias, cabeças e mentalidades não tomam de assalto os centros de decisão deste país e lá fora. Apesar de tudo, ainda acredito que vai correr tudo bem. Só não me parece que, quando lá chegarmos, venhamos a agradecer aos decisores de ontem.