Comecemos assim, para o leitor não fugir mais cedo do que é costume: neste dia, 9 de Outubro, celebra-se o nascimento de D. Dinis, rei de Portugal (1261); de John Lennon, músico extraordinário (1940); e o meu (1964). É nesta altura que o leitor avisado urra com razão «pelo amor de Deus!», invectiva a vaidade desmedida que transborda na blogosfera e refugia-se em coisas mais prementes, excitantes e reais, como o portal das finanças.
Hoje, o leitor avisado que se lixe. Até porque a ideia da crónica não é tanto falar do meu aniversário mas do estranho medo ou pudor de assumir um dia e as suas putativas celebrações. Encontro-o por toda a parte e das piores maneiras. A que mais me irrita são os que dizem - correcção: em regra as que dizem, muitas vezes mulheres jovens e bonitas - que deixaram de «fazer anos aos 30» ou aos 40 ou aos 50. Porquê este medo do tempo, a única coisa que criámos e ao mesmo tempo não conseguimos vencer? Será que idealmente aos 30 anos eu deveria deixar de viver? Que ficaria por ali? A história do «die young and leave a nice corpse» é das piores falácias modernas. Até porque quem a cita não pensa muito na palavra «cadáver». É, portanto, mentira: queremos sempre mais e mais, mesmo quando defendemos o contrário. A incapacidade de lidar com o tempo que passa - que no limite leva à negação ou ao botox, que juntos formam a mais triste das tautologias - é apenas a recusa do tempo presente e o dar primazia ao olhar do outro. Ou seja: ainda mais do que nos outros dias, quem renega a sua efeméride pessoal renega o hoje - e por definição, revela uma ingratidão profunda à vida.
É preciso que se perceba: a não ser para efeitos de Estado, a idade cronológica não interessa. Nunca irá corresponder à verdade.Deveria ser mesmo excluída dos bilhetes de identidade, tal como o estado civil, por excesso de invasão de privacidade. Mas para nós, que deveríamos ser os principais personagens das nossas vidas, estes dias deveriam ser celebrados sem limites. Quem amamos sabe que idade fazemos. E àparte uma ou outra piada jocosa, quando nos abraçam ou ligam a dar os parabéns estão a dizer «obrigado por aqui estares». Por ontem, hoje ou amanhã. E haverá alguém que possa ter a arrogância de poder desdenhar quem ama?
Ao celebrarmos sem medo o nosso aniversário - em rigor o dia em que, sem ninguém nos pedir a opinião, fomos atirados para este maravilhoso mar de sarilhos - estamos no fundo a fazer festivamente aquilo que todos os dias deveríamos fazer mal acordássemos:agradecer estar por aqui. Provavelmente apesar dos dias em que nos parece que caminhamos pelo avesso das coisas e nada tem salvação. Provavelmente sobretudo por esses dias.
Reparem: não são precisas grandes festas ou uma disposição pirotécnica. Basta estar junto de quem amamos. Ou por vezes procurar uma solidão que se deseja e que só enriquece. Basta - e isto sim, reconheço que é dificil - estar grato. Celebrar o nosso aniversário torna-se assim um privilégio e uma obrigação intima. Muitos são os que não fazem ideia do dia ou do ano em que nasceram, dirão. Mas procure-se então outro pretexto para celebrar o tempo que passa por nós. A ideia é agradecer, minuto a minuto.
Este ano, ao contrário de tempos antigos, não fiz grandes celebrações. Um amigo dizia que em consonância com a época dificil que atravessamos a única festa possivel é no Facebook.Boa blague, mas longe da verdade: o calor de quem nos quer bem, venha de onde vier, é a nossa festa. E não sabendo o que os anos me vão dar, proclamo: ainda não chega. E posso até citar, em snobeira intelectual de fim de noite, duas das minhas criaturas preferidas: o grande Jonathan Swift, autor do meu lema de vida «No wise man ever wished to be younger»; e o meu mentor pessoalíssimo, o sr.Sinatra, que resume tudo numa canção: «I'm gonna live till I die».
É altura de começarmos a estar gratos, caríssimos. Podemos começar pelo nosso aniversário para dizer 'obrigado'. E pois, a vida é uma merda, mas comparada com quê?
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