Parece verdadeiramente impossível explicar a uma mulher por que é que nós, tipos, temos necessidade de assistir ao resumo do jogo que já vimos. Aliás, não só ao resumo, mas aos diferentes resumos de cada estação televisiva, às entrevistas depois do jogo; mais a necessidade de – mistério supremo – comprar o jornal desportivo no dia seguinte.
Já tentámos. Oh, sim. Teremos dito qualquer coisa como: é tão necessário como os teus 45 casacos. Não funcionou. Ia dando guerra. Estás a insinuar que tenho demasiados casacos?, disse ela. Tenho pouquíssimos casacos. No fundo, segundo nos é dado perceber, as mulheres só têm um casaco. Um por ocasião. Um casaco de cada cor. Na cabeça delas, não têm por onde escolher. Têm apenas um casaco branco, um vermelho, um azul, um cinzento, um preto, um verde-seco, um casaco de cabedal, um casaco de antílope, um casaco militar, uma gabardina estilo inglês, um casaco para o frio glaciar, um casaquinho que dá com aquele vestidinho, um casaquinho que dá com aquela camisolinha, outro para aqueles sapatos, outro para a mala, um casaco adequado a vernissages em fim de tarde de Verão, um casaco para festas casual-chic, um casaco para casamentos formais, outro para casamentos informais, outro para casamentos em Maio, outro em Setembro, outro para casamentos de pessoas muito amigas, outro para casamentos a que só se vai por obrigação. depois, têm um casaco para vestir sobre cada um destes casacos. Um por cada. Só aquela combinação. Um drama. Uma predestinação.
Percebi, com efeito, que connosco é diferente. Nós não queremos variar; nós queremos sentir exactamente o mesmo. Queremos ver o golo vezes e vezes e repetir, cá dentro, tomados pelo júbilo, “que golaço!”. Temos um mecanismo qualquer que suspende voluntariamente a memória e fica assim sempre disponível para a perplexidade. Que maravilha! Olha-me para aquele passe, aquela visão de jogo, aquela finta, aquela determinação… Gostamos da segurança de saber o que vai acontecer. Não corremos o menor risco de ser surpreendidos. Sabemos que vamos explodir de alegria dentro de instantes e isso, por si só, basta para nos estampar um sorriso absurdo no rosto, o corpo como que levitando alguns centímetros acima do sofá, os braços preparados para se erguer no momento exacto em que a bola fará estremecer a rede.
Qual crítico contemplando uma obra de arte, somos sempre capazes de descobrir um pormenor novo, a simulação do lateral, a troca de olhares entre os avançados antes da tabelinha, o olhar desamparado do guarda-redes adversário. Tudo isso é vitoriado. Tudo isso arredonda o sentimento, enche-o, fá-lo durar.
Na verdade, há poucos sintomas que atestem tão cabalmente quão sensíveis somos. Quão subtis. Quão românticos. Não sei como faremos ver isto às mulheres.
Talvez vestindo um casaquinho especial em dias de bola.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.