Alguma coisa acontece no meu coração quando passo a Ponte do Freixo e avisto o Estádio do Dragão – obrigadinho Caetano.
Nasci no Porto, mas não sou tripeiro. Não há gota do meu sangue que não seja minhota, e vivo desde os três anos de idade em Lisboa. No Porto tenho dois ou três amigos herdados dos meus pais, memória duma paixoneta de Verão, recordações do meu padrinho responsável por me ter cravado na alma um amor incondicional e desmedido pelo sagrado F.C. Porto e pouco mais. A vida ainda me deu mais meia dúzia de pessoas que moram no Porto, mas de que poderia ser amigo vivessem em Mangualde ou Bogotá.
Fora as memórias postiças, aquelas que depois confundimos com reais do género “foi para a Rua Carlos Malheiro Dias que vieste quando nasceste” ou “íamos para a Praia dos Beijinhos com a Almerinda” e os vãos de escada onde troquei beijos apaixonados, não há rua que me faça suspirar de saudade, café que me apresse a ir ou lacrimejante passeio nostálgico. Não sou capaz de descobrir grandes diferenças entre tripeiros e alfacinhas, a abundante chuva não me comove, gosto tanto de granito como de pedra-pomes e até me irrita um bocadinho a conversa provinciana sobre Lisboa que se ouve amiúde. E, no entanto ...
Talvez os lugares nos escolham. Talvez a cidade me diga que aquele é o meu lugar sem que se dê ao trabalho de me dar razões. Talvez, por uma estranha reacção química, o meu dna seja mais compatível com a humidade da Foz do que com a de Sintra. Talvez o som do sotaque tripeiro me amacie a alma, sem que eu perceba como. Talvez as ruas escuras, misteriosas, sejam o meu habitat natural e não esta bebedeira de luz de Lisboa. Talvez, talvez, talvez. Talvez o meu consciente goste duma coisa e o meu inconsciente doutra. Sei lá eu. Mas uma coisita a vida já me ensinou: há respostas que nunca terei.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.