Segunda-feira, 5 de Setembro de 2011

Outono ou nada

Gostaria de ter alguma coisa mais para vos oferecer que não fosse uma conversa sobre o tempo. Sobre a estação. Mas tanto que dizem de nós, estes ciclos a que nos habituámos a não dar importância, por serem, em toda a extensão da palavra, naturais. Constroem-nos, ou, na mais mirabolante das hipóteses, construimo-nos em função deles.

               

Subestimámos as estações do ano. Habituámo-nos a enterrar os dias à pressa, schopenauerianos involuntários que decidem sem querer ir matar o instante que se segue a outro instante  e acreditar que a vida é algo nesse intermédio. Caímos no erro de nos acharmos superiores ao que nos vai sobreviver, por mais aquecimento global que aturemos. Tudo se tornou, por nossa vontade, cinzento. Já ninguém fala de  pessoas primaveris, estivais, outonais, invernis. Misturar a nossa rica personalidade com uma mera estação do ano tornou-se mal visto e desacreditado. O que há resume-se às férias, ao trabalho, ao regresso às aulas, ao clima desagradável. Toda a gente se esquece das intempéries da alma, da força perfeita do Verão* , da melancolia outonal, da tristeza de Dezembro, da inocência de Março – e como o gostarmos ou não gostarmos disso nos transforma naquilo que somos.

 

Eu sou um tipo outonal e não tenho vergonha que a adjectivação possa parecer ridicula ou poética ou ambas.  Talvez por ter nascido no inicio de Outubro renuncio à extrema alegria de Agosto. Apavora-me esses dias que parecem, como escreveu Larkin, «emblems of perfect happiness». Prefiro, para não perder esta ajuda e arriscar o meu pretensiosismo, esperar por um «Autumn more appropriate».

E rejubilo quando ele se prenuncia, como é o caso do mês de Setembro. Não se trata de uma questão metereológica, note-se; trata-se de reencontrar o que andava perdido e me fazia falta. Tempo para pensar, um tempo de regeneração e recomeço. Um tempo de regresso, que tanto estimo como de resto já aqui escrevi.

 

Mesmo que este mês oferecesse, para gáudio de muitos, temperaturas médias diárias de 30º, seria sempre o começo de Outono. A esperança em que não acredito reaparece ténue, com tudo o que pode significar: amor, paz, tempo. Setembro e o Outono são recomeços de mim. E sei que há muitos como eu, que o confessam em privado, quase a medo, vivendo na clandestinidade sob o entulho do quotidiano.

 

Tinha outras coisas para escrever com que talvez não perdessem tanto tempo. Mas é mais forte do que eu: sou feito de uma estação do ano e não tenho vergonha disso. 

 

 

 

 

 

*todos os textos com o meu nome por baixo não irão respeitar o novo «Acordo Ortográfico»

publicado por Nuno Miguel Guedes às 02:30
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