Quinta-feira, 27 de Setembro de 2012

Breve crónica de Outono

Chegou o primeiro cheiro do Outono, súbtil. E com ele o nevoeiro lânguido dos olhares, o desejo do conforto, a mudança de discos no armário, a luz tépida, os dias castanhos, a civilidade dos gestos, a infinita preguiça, o prazer do domingo, a camisola de malha, o cheiro incrível das folhas na província, as estradas vazias e a urgência do sábado de manhã, os corpos pálidos e os sorrisos discretos, a informação de trânsito, as janelas fechadas, o sabor das primeiras gotas que caem sempre na mão, as geleias e o abandono da frescura, o lugar do morto, os olhos a fechar nos fins-de-tarde no transporte público e as correrias em frente das escolas, a noite a ser noite, o amor interrompido, o sossego da casa, as montras cheias, a ausência do céu, as vozes quentes e os cobertores, a disponibilidade para os livros, o elliott smith, as tendências suicidas e o cinismo.

Agora sim, podemos ser felizes.

publicado por jorge c. às 13:47
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Quinta-feira, 20 de Setembro de 2012

O absurdo

Uma manifestação que conte com a minha presença ficará, certamente, na história. Um conservador não simpatiza muito com combustível revolucionário e é pouco tolerante à revolta contra o sistema. Porém, o absurdo pode provocar a necessidade de manifestar um desacordo tal, que até pessoas lúcidas como eu alinham na indignação em massa.

 

Não deixa de ser curioso que a manifestação de Sábado tenha descido a Av. da República. É como uma homenagem à soberania popular e à cidadania. Parte da função de qualquer cidadão é fazer chegar a mensagem ao poder que o caminho escolhido não é muito apreciado. E foi por isso que me juntei a ela. Foi um dia feliz. Quando o poder político percebe que a insatisfação é demasiado ampla para ser ignorada, nasce um momento republicano glorioso em que o governante percebe que o seu poder conhece limites.

 

Contudo, nem sempre percebe. 

 

Memória de Elefante foi o primeiro romance português que li. Era muito novo. Talvez por isso o tenha abandonado a meio, voltando a ele mais tarde. Houve, no entanto, uma passagem que me seduziu e que me fez regressar a ele algumas vezes. Nessa passagem, quase no início, discorrendo sobre uma relação amorosa passada e acabada, Lobo Antunes cita O que diz Molero. "Como um cego que espera pelos olhos que encomendou pelo correio". Fiquei com esta imagem na cabeça durante anos. É provável que tenha sido o meu primeiro contacto com o absurdo ou, pelo menos, o meu primeiro fascínio.

 

Quando alguém persiste num erro, é nesta imagem que penso. Como se a salvação chegasse por encomenda, enquanto deixamos o corpo estagnar angustiado. Mas as partes do corpo não podem sair à rua e as pessoas podem. E essa coisa é que é linda.

publicado por jorge c. às 00:05
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Quinta-feira, 13 de Setembro de 2012

Grande, grande era a Cidade

Segundo mensagem automática, estiveram ausentes do seu escritório, durante 15 dias, os cidadãos portugueses. Quinze dias sem respostas, com papelada a aguardar despacho, repousando num sono profundo de, pelo menos, dez dias úteis. Boas férias! Goza muito e gasta pouco! Fico a aguardar resposta, com os melhores cumprimentos, não quero saber.

 

Recuperado do coma induzido - o seu posto de trabalho - lá vem ele, todo lampeiro, a pairar como uma libelinha, leve e bronzeado, não se apercebendo do que o espera. Mas depressa tem de despertar. Acorda, Zé! Está na hora da cidade, das pressas e das urgências, do trânsito real e o trânsito da rádio, das notícias agressoras, dos programinhas da manhã e da musiquinha revivalista, das centenas de emails, das satisfações e dos compromissos.

 

E quando a noite cai, já quase nem se vê o céu natural. Já não há o "nosso Alentejo" e todas essas referências serôdias do escravo da urbe. Qual nosso, qual quê?! Qual casinha rústica, qual quê?! Qual comidinha típica, qual quê, seu cristóvão colombo de Odivelas?! Que a vida não se esgota nos 22 dias de férias, nem o mundo fica suspenso depois do teu adeus, até ao meu regresso. E o povo, esse macaquinho de zoológico que entretém turistas, também és tu, no teu meio. Ah! matéria única de entretenimento ou de pesquisa antropológica.

 

Regressam tristonhos. Acabou-se o que era doce, já que estamos numa de chavões. Então e a cidade? Vamos acabar com essa tristeza ridícula. É preciso reconciliarmo-nos com a luz artificial da cidade, essa verdadeira conquista. Viva o brilho das avenidas e as ruas cheias de gente; os teatros e os cinemas; a música nos passeios; os restaurantes sem lista de espera; a diversidade toda, deste e do outro mundo. Sai de casa, companheiro, que os dias nunca são iguais. E a cidade também merece o melhor de ti.

publicado por jorge c. às 11:00
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Quinta-feira, 23 de Agosto de 2012

Um caminho para chegar a casa

Cheguei a Istanbul sem saber muito bem porquê. Fui. Enquanto seguia para o centro da cidade, o movimento nas ruas pareceu-me assustador e selvagem. Perto de Taksim, um homem atravessa a rua na diagonal, seguido de mais três ou quatro pessoas que ignoram em absoluto a circulação dos carros. Criam a sua própria dinâmica e seja o que Alá quiser. Estamos em pleno ramadão, o que poderá correr mal?

 

O calor e a humidade estufavam o meu corpo quando o táxi me deixou em Beşiktaş. Nessa noite, acabaria por jantar em Eminonu e foi então, no meio desse centro conservador, entre mesquitas e bazares, entre vendedores de rua e turistas, que comecei a ganhar consciência da cidade onde estava.

 

Istanbul nasceu para servir de colónia a Byzas, devido ao sobrepovoamento. Ao longo da sua história, viveu uma terrível dificuldade em tornar-se independente. Foi palco de disputas que, mais do que desenvolver, destruíram a cidade. Pelo menos até Constantino, que nela encontrou o entreposto comercial estratégico ideal para fazer crescer o império. O imperador foi, talvez, o primeiro a perceber a sua relevância geográfica. Também Justiniano se apaixonou por Istanbul, concedendo-lhe autonomia, sofisticação, estrutura e regras.

 

Porém, talvez tenha sido o sultanato a marcar aquilo que hoje são os turcos. Apesar de alguns reformistas terem dado um passo significativo na moldagem das idiossincrasias, tais como Abdul Hamit ou Mahmut II, o conservadorismo dos Sultões, a sua imponência e totalitarismo, deram à Turquia e a Istanbul uma cultura de mitomania e - sejamos honestos, mas simpáticos - de alguma aldrabice. 

 

Não haverá muita diferença entre os embaixadores de então e os empresários que chegam hoje a Istanbul para beneficiar de excelentes factores comerciais. Tanto uns como outros tinham de condescender com a magnitude do poder, mostrar alguma subserviência e depender, depender muito. Nas ruas, a lógica é a mesma, desde os serviços mais simples, como a inspecção rodoviária. Foi precisamente aqui, neste serviço, que me apercebi da importância do pequeno poder, da posição dominante serôdia e saloia e, também, da pequena corrupção patente. O que é que eu fui lá fazer? Ora, nem eu sei, muito bem. Fui. 

 

Mas, nem o fosso entre os mais pobres e os mais ricos, que em Istanbul é tão grande como as margens que o Bósforo separa, impede que estes fenómenos e trejeitos sociais se prolonguem para os mais abastados. Há construções absurdas, cedências de passagem, prestação de vassalagem, prioridades invertidas. Que a beleza aparente da cidade turística não te cegue. Que a limpeza das ruas não te engane. Que a segurança que sentes na rua não te deslumbre.

 

Conheci um homem chamado Ozan. Este homem contou-me, com naturalidade, que os turcos não querem ser europeus mas, antes, americanos; que não querem a organização norte-europeia da União dos 27, os seus métodos, a sua burocracia. Os turcos, segundo Ozan, querem continuar a desenrascar-se neste sistema selvagem de esquemas e manobras de diversão. Querem, no fundo, a conservação total da sua identidade. Falou-me disto com a mesma paixão com que os turcos espalham as bandeiras herdadas de Ataturk por toda a parte.

 

Foi então que encarei Taksim e Gayreteppe e vi uma cidade a crescer ao seu ritmo, esquizofrénico, é certo. Vi rapazes e raparigas, confiantes e sofisticados. Libertei-me, enfim, do etnocentrismo que tantas vezes esmagou os povos e os condicionou. Passeei pela cidade como passeio em Lisboa que, no fundo, não é assim tão diferente. 

 

Quando dei o primeiro mergulho, em Porto Côvo, lembrei-me de Ozan e do seu sonho em banhar-se no Oceano Atlântico. Senti-me, como diz Vila-Matas, no centro do mundo. Estava, agora, de regresso a casa.

publicado por jorge c. às 00:49
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Quinta-feira, 19 de Julho de 2012

Para lá do sol posto

A festa seguia pela tarde fora. Depois do lanchinho de rojões, os grupos iam cantarolando e animando as mesas. Ouviam-se gargalhadas e as palmas soavam alegres. As mesas de madeira, compridas e sujas, anunciavam já o fim das festividades. Curioso, o nome deste encontro: Identidades. E ali estavam todos, vindos de muitos lugares - uns que vêem o mar, outros que respiram da serra. As modas são, no entanto, as mesmas. Repete-se, com euforia, um cancioneiro que foi passando de boca-em-boca, de terra em terra, como um caixeiro-viajante. A cantiga popular, em Portugal, viajou e conquistou o coração dos que nela encontraram a alegria e o sentido da vida.

 

Foi assim que conheci Antero. Juntou-se a nós a meio de uma moda alentejana que iamos impondo a todo o recinto:

 

"Venho da Ilha dos Vidros

Da terra dos diamantes

Ando no mundo perdido

Pelos teus olhos brilhantes.

 

Pelos teus olhos brilhantes

Pelo teu rosto de fada

Ter amores não me custa

Deixá-los é que me mata."

 

Trazia uma concertina muito velhinha. Era um instrumento invulgar, com dois teclados de apenas uma fileira, cada um. Antero tocava-a com uma satisfação contagiante. Ao meu lado, o rapaz da flauta tamborileira acompanhava-o enquanto nós iamos inventando a letra e fazendo da mesa percurssão.

 

No fim da cantoria, desabafa que pouca gente sabe tocar aquela geringonça. É rara e precisa de muitas horas de dedicação. Depara-se, então, com o problema da tradição. Se ninguém a quiser aprender, aquela pequena concertina ficará sem tocador e será votada ao esquecimento. A sua história não o merece. Contou-nos, entretanto.

 

Há mais de 50 anos, Antero comprou esta concertina numa antiga casa, no Porto. Andou com ela por todo o lado, perdeu noites a aprendê-la. Por razões que o país prefere esquecer, teve de partir para o Ultramar e vendeu o instrumento. De lá, emigrou para a Alemanha. Quando regressou, dedicou-se à braguesa e ao cavaquinho. Certo dia, um compadre seu disse-lhe que o sogro tinha para lá uma concertinazita. Mas que o velho estava mal e que preferia dá-la "quando o assunto estivesse arrumado". Assim foi. Levou Antero a ver o brinquedo. E lá estava ela, a sua velha concertina, 45 anos depois. A coincidência sem a ajuda da internet. Mandou afiná-la e levava-a, agora, para toda a parte, para animar a rapaziada.

 

Quando o crepúsculo desceu sobre a serra e o ar refrescou, decidimos partir. Deixámos o folclore para lá do sol posto, escondido, para não incomodar as cidades. Esquecendo que é da identidade que se alimenta uma cultura, a cidade tem um certo desprezo pelas coisas simples. Procura-se o progresso e a modernidade. A tradição é uma coisa feia e retrógrada, como aquela velha concertina. Até ao dia em que alguém a quiser tocar, melhorar e evoluir com ela, levando consigo o som dos dias mais bonitos.

publicado por jorge c. às 11:04
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Quinta-feira, 12 de Julho de 2012

O homem que corrompeu Lisboa

Procurou-me logo pela manhã para me dizer que eu estava errado. Fiquei a ouvir os seus argumentos até à assunção total do meu erro. Tinha razão, não o podia negar. O sucesso do convencimento do outro, que no caso era eu, estava na forma que as palavras tomavam, na nobreza do gesto de querer comunicar e encontrar um desfecho que a todos se adequasse. Durante a sua estadia em Lisboa procurei o alcance dos seus gestos. Depois, descobri que o segredo estava na sua natureza generosa.

 

Todos os dias, quando nos cruzávamos, ficava com a sensação de que nunca encontraria qualquer ressentimento neste homem. Desfilava pelo recinto com uma humildade genuína, discrição e sobriedade. Ainda assim, todos o tratavam com respeito ou, até, alguma reverência. Fez com que aqueles que o rodeavam acreditassem, convictos, de que tudo estava bem. E da situação mais crítica, cultivava uma oportunidade. O seu optimismo era íntimo da sua honestidade e da sua bonomia.

 

No mundo empresarial contemporâneo ou, se me permitem, no pós-modernismo, os conceitos são de algodão doce. Se não discutimos dentro de nós, nunca encontraremos a solução e acabamos lambuzados com a nossa gula. Na pequena Lisboa dos negócios há um surto de conceitos que desaparecem como os jacarandás que a enfeitam durante umas semanas. Um mar de arrogância inunda a cidade e a natureza das coisas fica comprometida. Antes de dominarmos os conceitos e de os reconhecermos, é preciso dominarmos a nossa própria índole. Talvez seja essa a propriedade da cultura.

 

Tal como explicou Mark Twain, não podemos ter a certeza das nossas características morais se nunca fomos seduzidos pela sua perversão. No momento em que desafiamos algumas das nossas mais profundas fragilidades, conquistamos o dia seguinte. Porque, como diz o homem que corrompeu Lisboa, não podemos achar que temos mais força que o nosso inimigo e que o conseguimos vencer de olhos fechados. Há que manter os olhos bem abertos. O nosso maior inimigo tem exactamente a mesma força que nós.

publicado por jorge c. às 00:00
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Quinta-feira, 5 de Julho de 2012

Nasci com passaporte de Turista

Acordo com a notícia da morte de um homem que não cheguei a conhecer. Naquela mesma rua, ainda se sente, por vezes, um histórico de outras violências: os saveiros a chegar, carregando doenças e outros infortúnios; vidas amaldiçoadas pelo lodo e pela miséria. Ficou este carpir sussurrante que agora ouço de duas mulheres. Os olhos encharcados pelo sofrimento constante. Ao meu lado, um amigo do defunto olha para lado nenhum e vejo-lhe a dor da memória a questionar-lhe a própria vida. Choram por eles próprios. Ninguém devia morrer ao Domingo.

 

Na cidade onde eu nasci, sorte foi coisa que nunca parou na estação. O comboio passa a rasgar o silêncio e fica sempre o vazio dos dias. Os tempos são outros mas, as aflições imortalizaram-se na decadência dos edifícios. Há uma calma enganadora. O Tejo, que corre tranquilo, roubou-lhes o sonho, separou-os da outra margem, como quem diz "o teu lugar será sempre desse lado". E ali ficámos todos, conformados com o erro colectivo, com as invejas e os fracassos, à espera da corrida de Domingo. A felicidade suprema chegará pelas seis da tarde, no momento das cortesias. Olharão para Morante e sonharão com Sevilha.

 

Nos próximos dias, a pequena cidade ganhará um brilho raro. Faremos promessas de que tudo irá mudar. Ressuscite-se a esperança. Mas, as bebedeiras manter-se-ão, acabando sempre nessa desgraça que os persegue. Regressarei a Lisboa para não mais me preocupar. As preocupações são outras, coisas mais sofisticadas e instruídas. Viva o progresso! Abaixo a província! E é com este dilema que me deito - o de não estar em parte alguma.

 

Como diria o Redol: nasci com passaporte de turista.

publicado por jorge c. às 23:21
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Quinta-feira, 28 de Junho de 2012

Liberdade

Por questões que me são completamente alheias, tenho de trabalhar 5 dias por semana. Muitas vezes, trabalho fora do horário mas, isso não me aborrece. Incomoda-me - isso sim - ter de me deslocar para fora do escritório, em reuniões com outras pessoas com as quais não sinto, por norma, grande empatia. Aborrece-me, o trabalho. Por mim, passaria todo o dia a falar com pessoas, a dar-lhes opiniões sobre o seu trabalho. Julgo, até, ter boas ideias sobre praticamente todas as coisas. Estas competências nasceram do facto de eu ter visto muita televisão ao longo da vida. Agora, ter de me deslocar a um sítio é muito aborrecido.

 

Assim foi, num destes dias. Subi uma calçada em busca de uma rua cuja localização desconhecia. Apesar de ainda ser cedo, o calor apertava-me o colarinho, o sol espetava-me a pele e todo o meu corpo era um autêntico jazigo de felicidade. Arrastei-me umas centenas de metros com a pasta na mão. Parei, então, à porta de um café onde estavam dois homens parados. Um deles usava uma bata branca, de farmacêutico, e fumava um cachimbo com um ar muito distinto, pelo menos parecia que estava convencido dessa distinção. O outro homem, com quem conversava, pareceu-me ser o dono do café. Tinha ar de dono do café. Não sabendo eu esclarecer muito bem esta minha impressão, dirigi-me a este último para lhe pedir indicações. Mandou-me subir o forno, meio desconfiado. Tivesse eu perguntado o resultado do jogo e teria ali um amigo para a vida. Mas, "o que é que este gajo anda aqui a fazer de fato e gravata?" pareceu-me terem sido os seus pensamentos mais íntimos. Apeteceu-me praguejar mas, não o fiz, por decoro e por preguiça. O calor aumentava conforme ia subindo a calçada, o que me parece normal, visto estarmos no Verão. Porém, noto muita admiração com este tempo, mesmo nos jornais. Eu cá, por mim, nunca me admiro com o calor no Verão. Acho que é perfeitamente aceitável. Aborrece-me mais ter de me deslocar para reuniões com desconhecidos.

 

Ainda antes de chegar ao meu destino, sem saber muito bem onde este seria, exactamente, cruzei-me com uma mulher que, olhando para cima, reclamava da situação, do estado actual das coisas. Percebi que estava contra e não perdi muito mais tempo. Segui e lá me encontrei com o destino. Desinteressante. Apressei-me a regressar e pelo caminho reparei que não me havia cruzado com nenhuma criança, até então. O ar estava ainda mais pesado e o dia, um tédio resignante.

 

Pensei nos dias de Verão em que me estendia sobre a cidade como um turista; em que as conversas que se ouviam eram todas de uma beleza simples. Pensei, também, na liberdade da viagem a sul, sem qualquer destino, a mochila na mala do carro e o sol a clarear as ideias que depois acabariam inundadas de mar e estendidas na areia. Pensei no meu corpo refrescado pelo sal e na languidez dos dias.

 

Aborrece-me, sobretudo, trabalhar.

publicado por jorge c. às 11:54
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Quinta-feira, 29 de Março de 2012

Um adeus universal

Eh pá, morreu o Millôr Fernandes.

 

A nossa vida toda, passamos grande parte dela enfiados num fato, numa caixa, num carro, de um lado para o outro, aos círculos. Temos cartões para aceder a tudo: à ponte, ao estacionamento, ao trabalho, ao dinheiro, ao desconto. A nossa rotina está padronizada, registada e arrumadinha. Habituámo-nos à organização, às organizações, à coerência, tudo para evitar o embaraço, o deslize. Mudamos tudo à nossa volta. Tomamos decisões de ano novo. Somos especialista da especialização e mestres do disfarce. Falta-nos o tempo para sermos mais justos connosco próprios.

 

Aprendi com a cultura brasileira, que me foi chegando, a não deixar a gravata ser uma parte de mim. Aprendi com Vinicius, Celso, Machado de Assis, Chico e tantos outros a viver o grande tempo, a disponibilidade, a generosidade, a amizade, o céu e o mar. Aprendi mais sobre a vida numa frase do Millôr do quem em mil discursos de circunstância. Porque a vida não é uma circunstância; circunstância é estar-se vivo e com isso é difícil de se lidar.

 

A regra, a regra mais fundamental de todas as regras, é não nos levarmos demasiado a sério. É cultivar a bondade e o perdão, saber rir e gostar de fazer rir. Nunca podemos esquecer o riso - o pai de todos os equilíbrios. E que a palavra seja o nosso vício, a palavra livre que rasga o embaraço e inventa a liberdade, que mete a rotina no seu devido lugar e nos faz sair disparados pelo céu à procura de algo mais puro - o ar, que seja.

 

Adeus, Millôr. E muito obrigado.

publicado por jorge c. às 00:06
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Quinta-feira, 15 de Março de 2012

É proibido morrer

Dizem que Deus é que sabe quando chega a nossa hora. A ciência, hoje, prevê a hora do nosso nascimento e a da nossa morte. O testamento vital e a eutanásia são, praticamente, uma inevitabilidade das sociedades modernas. Toda a gente quer saber quando é que damos lugar a outro. O tempo urge.

 

Mas, numa pequena aldeia perto de Nápoles, um homem chamado Giulio Ceesare Fava decidiu proibir aquilo que muitos acreditam ser o destino dos homens. E, muito embora Agostinho da Silva garantisse que não tinha a certeza da morte, pois nunca tinha morrido, a verdade é que a tendência é essa. Por tradição, morre-se. Agora, em Falciano del Massico a lei determina que ninguém poderá morrer. Se calhar era disto que precisávamos, uma imposição legal.

 

Parece um pouco inconsequente, como as apostas de morte: "o último a sobreviver ganha". Proibir o aparente fim pode não ter consequências para o indivíduo que viola a lei, a não ser que haja trânsito em julgado no Além. Tem, contudo, consequências maravilhosas para quem cá fica. O desígnio de um povo pode passar a ser não morrer. E aqui a lei retorna ao seu espírito humanista. É para o nosso bem. Vivamos, então, o mais possível, combatendo o tédio da morte, transportando a vida todos os dias como uma taça conquistada sem grande esforço. Que nunca mais se fechem as janelas. Parem, em nome da lei.

 

Não quero que o meu entusiasmo por esta lei fundamental ignore um facto importantíssimo. É que quando chegamos a um determinado ponto da vida, estamos cansados. E há uma altura em que ninguém tem o direito de nos mandar continuar. Temos anos de vida suficientes para poder descansar. Proibir a morte pode ser, também, impedir-nos de entrar numa nova jornada. Não é uma questão de fé, é pura imaginação.

publicado por jorge c. às 10:19
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