Anda-se a falar muito de dinheiro, sinal de que isto não está a correr nada bem. Em público. Sem vergonha. Por necessidade. Como quem partilha uma angústia que se tornou demasiado grande para ficar guardada no mealheiro vazio. Aos poucos vamo-nos tornando parte de uma família orçamentalmente desfeita em que é cada vez mais raro encontrar alguém que, num instante qualquer, não faça, à mesa e em voz alta, contas à vida. Podíamos falar de tanta coisinha boa mas escorregamos demasiadas vezes, melancolicamente, para esse magno tema, sobre o qual, em tempos, já foi deselegante falar (a elegância é um luxo vedado a quem está em desequilíbrio). Aflitinhos anónimos - eis aquilo em que se vão transformando algumas reuniões de amigos de, digamos, classe média, nas quais se falava alegremente de filmes, música, livros e hoje se projecta números e finais do mês e trabalhinhos extra e se pergunta como é que vai ser.
Todos os adultos merecem, além de uma existência digna, ter os seus brinquedos. A própria dignidade da existência depende da possibilidade de ter acesso a essas fantasias juvenis - que nuns são ouvir música e noutros andar de canoa, fazer mergulho ou comprar flores. Para isso é preciso ter disponibilidade, na mente e na carteira. Ter pouco dinheiro - e por isso falar muito do assunto - exige uma seriedade existencial permanente e a extinção de gostos e pequenos prazeres, essencialíssimos para se ser completamente. Vestir a fatiota de adulto a 600%, destino incompleto e ansioso que não se deseja a ninguém. Alguma coisa anda a falhar, anda. Vimos ao mundo também para isso mas não só para isso. Ou por outra: as contas que levamos daqui não são as contas da máquina de calcular.
Vejo, aqui ao lado, no tapete da sala, os meus filhos no seu regabofe infantil e desejo, enquanto os vejo brincar, que lhes seja permitida essa liberdade maior que é a de guardarem pelos anos fora este instinto lúdico, esta vontade de fazer disparates, estes tropeços de criatividade - e, noutros ou nos mesmos moldes, este jogo do Beyblade em que parecem tão distraidamente empenhados. E penso na injustiça que é ser retirada aos homens e mulheres deste tempo a possibilidade de serem crianças e criançolas, de manterem aquela reserva de irresponsabilidade que só é possível ter quem - com mais ou menos dificuldade - conseguiu tratar da balança de pagamentos doméstica.
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