Chegam normalmente por esta altura, aproveitando a que costumava ser uma doce transição entreo clima ameno lisboeta para a subida estival das temperaturas. Vêm de longe e de muitos lados: Itália, Grécia, Sérvia, Croácia, Brasil, México, Japão. Em comum têm um amor muito específico, uma paixão assolapada e à antiga, que parece tão intensa como intrigante: adoram Portugal.
Não se enganem: esta gente não gosta do tempo que faz, das nossas ricas praias, do fado, das pessoas, do belo peixinho. Gostam de tudo. Gostam de nós. Pior ainda: sabem porquê. Para um português isto é um fenómeno que dá que pensar: é realmente fácil gostar de Portugal e das suas paisagens, das gentes que exageram na hospitalidade sobretudo se for realtiva a estrangeiros. Este gostar é um estado de paixão transitória, que mal se vê dentro do avião que os leva de regresso aos seus países de destino, se transforma numa nostalgia inofensiva e fotografias para colocar no Facebook.
Esta gente é diferente, garanto-vos. Voltam. Todos os anos, sempre que podem. Sei do que falo, porque conheço um grupo destes apaixonados, com quem irei estar para o próximo mês.Há anos que viajam para Portugal. Quando podem, várias vezes por ano. É verdade que foi o amor ao fado - e aos Madredeus - que os juntou. Mas uma coisa levou à outra e agora apaixonaram-se por um país inteiro. Tudo lhes parece novo, belo e verdadeiro, como se sempre fosse a primeira vez. Emocionam-se com as pedras da calçada, com um poema bem cantado. Como o conhecimento ajuda o amor, são mais sábios e conhecedores da história portuguesa do que os próprios nativos. Várias vezes fui surpreendido com factos ou curiosidades que apenas se não fosse de Portugal me poderia interessar.
Porque nós sofremos do antigo atavismo de dizer mal do que está mal e pior do que está bem. Vem de trás este mau estar connosco próprios. Por vezes ele é bem expresso e pode até transformar-se em arte: lembro-me de O'Neill ou de alguns textos de Ramalho Ortigão. Outras vezes é pura maledicência de bairro, o pior dos paroquialismos que é o de ficar quieto à janela à espera de ver quem passa para baixinho tecer comentários maldosos.
Eu sei que há tanta coisa má neste país, como haverá noutros. Muitas vezes tento explicar a minha indignação a estes meus amigos apaixonados, sobretudo agora em que os nossos dias andam mais carregados. De nada serve. Eles, como Camões previu, transformaram-se já na «cousa amada» e são completamente inflexiveis na sua paixão, apresentando incentivos, factos e sentimentos que sustentam o seu estado de graça.
Parece que agora os pequenos videos que afagam o ego colectivo – como o célebre video da Finlândia - começam a estar na moda. Ali nos exaltamos, ali nos incentivamos. É simpático, mas perdoem-me, cheira-me sempre um pouco a bazófia. Por mim prefiro estes momentos com os verdadeiros amantes de Portugal. É com eles que aprendo e se tiver sorte, muita sorte, talvez possa reaver, nem que seja por um segundo, esse olhar límpido e deslumbrado das crianças que podem amar sempre em bruto. Quero reaprender a ser turista no meu país
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