Tem-se falado muito de Pacheco Pereira. Do facto de perseguir como “grande inimigo” o “engraçadismo”, de – por coincidência – não revelar uma ponta de sentido de humor, de ser ressentido e moralista que nem um diácono de província, de constituir um corpo cada vez mais estranho no seu partido (como em qualquer outro partido), de, nos últimos tempos, registar opiniões inacreditáveis sob o ponto de vista ético, de possuir uma agenda pessoal e de vingançazinhas sob a capa do “intelectual” impoluto. Acho que, genericamente, as pessoas têm razão. Mas também acho outra coisa: que as pessoas deviam deixar o vício do Pacheco Pereira. É um vício que só as prejudica, que só nos prejudica, que só traz problemas a nós próprios e às nossas famílias. Deixemos o Pacheco Pereira aos traficantes.
Sim, Portugal está viciado em Pacheco Pereira. E devia tentar curar-se. Ou por outra: o problema não está propriamente no Pacheco, que opina o que quer, quando quer, no lugarejo que quer. O problema está em quem o consome, em doses imoderadas. Em quem lhe atribui uma relevância desmesurada – uma importância que, de facto, não terá. Pacheco Pereira é apenas um opinador da pátria – dos mais relevantes, mais apenas um opinador da pátria. Não deve ser a referência (positiva e negativa) de todos os grandes debates, sobretudo por aqui, na blogofúria. Isso é atribuir-lhe um peso que, de facto, não tem. Por mais neurónios que esconda na cachimónia.
Eu confesso: já fui viciado em Pacheco Pereira. Reservei ao personagem a atenção que se reserva a quem pensa de forma informada e com rasgo. Mas, por algumas das razões anotadas acima, hoje já não visito a sua casa, o Abrupto. Já não suspendo o zapping para o ver e ouvir. Assisti a quase todos os “Terça à Noite”, com o Sousa Tavares e o António Barreto, recortei artigos vários, ofereci-lhe, como a deferência de quem oferece um poema ao mestre, uma das “Inventio”, revistelha de Faculdade que fiz com amigos, debati-o ao pequeno-almoço, ao almoço, ao jantar e no intervalo das sessões de psicoterapia. Mas deixei-me disso. Muito de vez em quando, passo os olhos por um ou outro artiguinho do “Público” e da “Sábado” se o tema me interessa e se há um parágrafo que salta à vista. Pouco mais.
Quando deixei de falar tanto do homem, lembro-me da pergunta inquietada da família: então, o que é se que se passa contigo, Nuno? Respondi sem exuberância mas com orgulho: consegui largar o vício, meus queridos. Já não sou viciado em Pacheco Pereira. Gostava de ajudar alguns amigos a sair disso também.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.