Sem contar com os machos lituanos suicidas, os doentes terminais e os condenados à morte, ninguém sabe quando saboreia a sua derradeira refeição - e Jesus está eliminado porque ressuscitou. Há alguma fortuna nisto, porque comer implica perspectivas de futuro e é insolúvel a contradição nesta ideia de uma última refeição em consciência. No caso do condenado, resta-lhe o niilismo ressabiado ou o epicurismo por imposição. Não é bonito. O hábito de atender ao último capricho gastronómico do condenado existe para se fazer as pazes com ele, tentando assim evitar-se que o seu fantasma venha a apoquentar o carrasco. São vários os mecanismos de atenuação da culpa do carrasco na pena de morte, do capuz em quem erguia o machado à diluição da responsabilidade no pelotão de fuzilamento. Ora, a julgar pela extravagância e fartura de alguns pedidos, à falta de uma reconciliação em vida, é por uma eterna pausa pós-prandial que o fantasma não chegará a incomodar, pelo que o método da última refeição, de uma forma ou de outra, em regra funciona. Porém, por vezes o condenado aproveita a oportunidade para comunicar algo ao mundo - um escolheu apenas uma azeitona, outro pediu que em vez dele alimentassem um sem-abrigo com uma pizza vegetariana . São instantes terríveis, a lembrar o absurdo que é a pena de morte. Em rigor, a última refeição do condenado devia ser ração - ... para cavalos, que fica sempre bem a evocação cultural - pois será depois tratado como um simples animal.
Imagem retirada de Final Meals
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