Quarta-feira, 14 de Maio de 2008

Meia-idade

 

Pronto, vou dizê-lo: sou um gajo de meia-idade. Diz que é nesta altura da vida que um homem entra numa espécie de crise existencial. Já tem passado e aparentemente ainda lhe resta algum futuro. No meu caso a situação é “ligeiramente” diferente: não sei para que me serve o passado nem sei o que hei-de fazer com o futuro. Vender cenouras, batedeiras, cautelas ou galões de mistura para motorizadas a dois tempos não é propriamente algo que nos eleve à academia de artes e letras sequer do Burundi. E porque é que um tipo que se dedicou ao nobre oficio de comerciante haveria de querer ser reconhecido como um intelectual de elevadíssima estirpe? Porque era isso que eu queria.

Claro está que me esqueci de escrever uns romances, uns livros de poemas. Também não entrei em nenhuma peça ou sequer constei como figurante em nenhum filme de terceira categoria. Não escrevi nenhuma teoria política nem fiz nenhuma observação particularmente genial sobre o significado democrático do consumo de um SG num voo de Caracas para Lisboa.

E é aqui que entra o busílis da história da meia-idade e se demonstra que a verdade verdadeira sobre esta idade estúpida é afinal que existe uma amostra de passado mas não há nenhuma espécie de futuro.  Um cidadão tenta escrever um post (já não é nada mau) sobre a qualidade da democracia em Fornos de Algodres e aparece logo um irónico comentador: “oh pázinho, tu sabes é vender restaurador Olex (muito jeitosos e muito em conta, por sinal). Deixa-te de merdas”. Ou então, mandar uma reflexão brilhante sobre o fim do apoio à criação de lagartas para adubo a um qualquer jornal. Primeira pergunta: “então e que outras coisas escreveu?” “Bom, escrever, escrever, só as etiquetas de preço da secção do talho no Feira Nova do Barreiro, serve como CV?”

A um homem de meia-idade resta-lhe apenas uma ambição: ir vivendo. Pensando bem, podia ser pior.

 

P.S. o meu pedido de desculpas aos milhões de leitores por ter confundido terça-feira com a quinta. Deve ser da idade.

 

publicado por Pedro Marques Lopes às 23:29
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