Não partilho do desentusiasmo crítico por "Intimidade", de Woody Allen, que vi ontem à noite (reparem que não escrevi "revi"). Houve mesmo momentos do filme que achei muito fortes - a cena da festa em que é cada vez mais notório o mal estar entre as irmãs e a sua nova madrasta é um deles. O que me desiludiu no filme foi o suicídio da mãe. Um efeito melodramático demasiado fácil. Dizem que está aqui presente a influência Bergmaniana e Tchekhoviana em Allen. Reconheço a primeira, não tanto a segunda (aliás, de Tchekhov encontro apenas um certo perfume do pensamento "Se tens medo da solidão, não te cases"). O suicídio da mãe "mar adentro" parece-me demasiado épico para ser considerado uma herança do autor de meias tintas (é um elogio) que era Tchekhov. Nos contos de Tchekhov o mundo tem muitos matizes e hesitações e não acontece grande coisa. É isso que procuro nas suas pequenas histórias e nas do seu discípulo Carver - começam a meio, acabam a meio. Aqui, pelo contrário, acontece. Aquele suicídio no mar é uma forma de heroísmo. Prefiro os passeios, os diálogos inconclusivos, o peso do ar das tardes, os rostos a olhar as ondas pela janela, a lenta desilusão que vai encurralando as almas entre quatro paredes. O cinzento da vida sob a forma de arte.
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