Indigna-me que se tenha acabado com o feriado do Carnaval a pretexto da crise económica. O feriado do Carnaval deveria ter sido abolido simplesmente porque sim. Aliás, a bem da civilização, seria mesmo de considerar abolir o fim-de-semana que precede o Carnaval. Ou todo o mês de Fevereiro, não fosse o Diabo tecê-las.
Vejamos: que acontece no Carnaval? Geralmente, machos de todos os bandos aproveitam a deixa para, alegadamente, se vestir de mulher. Haveria com certeza muito a dizer acerca do que espoleta este comportamento, mas quedemo-nos pelo resultado: estas criaturas não ficam parecidas com mulheres. Nos casos melhor sucedidos, parecem o fruto do amor proibido entre o Batatoon e a Belle Dominique.
As crianças mascaram-se de bruxas e super-heróis, os pais gastam uma fortuna com fatos que jamais voltarão a ser vestidos e os que não vão na lenga-lenga mandam os filhos para a escola com um daqueles apetrechos que consistem duns óculos de cientista louco, acoplado a um nariz de taberneiro, rematado com um bigode à Toni, traumatizando a criançada até ao fim dos seus dias (sei do que falo, aconteceu-me na segunda ou terceira classe).
As mulheres vestem-se de princesa, fada, anjo, qualquer coisa que lhes permitiria uma noite perfeita de romance e sedução se ao menos um dos homens das redondezas não estivesse vestido de travesti.
Uns e outros atiram água e adereços mal-cheirosos e dançam ao som das piores canções da História (Como é que é, Sinusite? Quero ouvir: “Eeeeeeeeeehhhhhhh, meu amigo Charlie…”) em sítios adornados com balões que espirrarão saliva desconhecida quando forem rebentados – que serão – e fitas coloridas, ítem produzido sabe-lá onde e com que fim, tão útil como – vamos ver – um rebobinador de dvds.
Fora isto, há um estranho clima de guerra entre as 320 localidades que reclamam para elas o título de Carnaval com mais tradição do país. Aí, o festival de horrores atinge os píncaros: dos cabeçudos passeados de ano em ano (as figuras de Cavaco e Soares já devem ter mais Carnavais na espinha do que a Xuxa), estrelas recrutadas em reality-shows mesmo antes de voltarem para a sarjeta acenando do topo de carros alegóricos que fazem uma chaimite parecer um clássico da elegância automóvel e jovens roliçadas seminuas que se saracoteiam entre a cacimça e a pneumonia.
À margem, há um grupo de intelectuais que não participa no espectáculo. Diz que não gosta do Carnaval, excepto – atenção – o de Veneza. O Carnaval de Veneza?! Mas alguém saberá o que acontece no Carnaval de Veneza além de a malta se vestir à filme de época e pôr umas máscaras – admito – giras?
Por fim, quem souber que responda para esta caixa de comentários: no Carnaval, festejamos exactamente o quê? (respostas do género “a vida” ou “a alegria” serão automaticamente reencaminhadas para o site do Ministério da Saúde) Qual é a efeméride? O acontecimento? A razão? Aonde nasceu isto? Que tem a ver connosco? Por que não celebramos também o dia de acção de graças e o ano novo chinês e a tomada da Bastilha?
Era preciso alguma desculpa para acabar com isto?
P.S.: De repente, imaginei o Hugo lá no Rio a catequizar a multidão: “Deviam ver como é que a gente faz isto lá em Ovar…”
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