Era capaz de jurar que há exactamente 19 anos estava em Madrid. Melhor, estava mesmo. Se bem recordo os meus hábitos da altura, devia estar num boteco qualquer a experimentar a quantidade ideal de vermouth dum dry martini. Como já na altura era um rapaz cumpridor das tarefas a que me propunha, não brincava em serviço. O teste em causa levava horas, obrigava ao consumo de vários exemplares do cocktail, mas era algo que tinha de ser feito, e eu sempre cumpri os meus deveres com zelo e dedicação. Curiosamente, descobria que a bebida se tornava excelente ali por volta da nona, décima tentativa. Também, com certeza por causa das qualidades dos ingredientes, o meu castelhano por essa altura tornava-se fluente. Uma das características do meu consumo alcoólico era, aliás, essa: transformava-me num poliglota. Lembro-me como se fosse hoje duma conversa de mais de 6 horas em Dubrovnik regada a São Domingos, em croata claro está.
Já na altura, e não mudei com a idade, passados dois ou três dias de estar num sítio qualquer estava-me a perguntar porque diabo tinha saído de Lisboa. Dessa vez, porém, tinha boas razões. Ia a uma consulta médica e não tinha outro remédio se não desfrutar das belezas madrilenas iguaizinhas às de Guayaquil ou Paio Pires, leia-se bares e quejandos.
Mas, de repente, a cidade tornou-se na mais bela das cidades. A Serrano a mais fashionable rua do mundo, os cafés da Castelana locais mágicos, os bares e restaurantes do Prado absolutamente magníficos, o pôr do sol nas Portas do Sol maravilhoso, os salgados da Maiorca os melhores a oeste de Pecos, o Thyssen dava cartas a todos os museus do universo, os huevos da Casa Lúcio um manjar dos deuses e até aquela bernabeuana latrina atrás do José Luís subitamente parecia menos repugnante. “Chego amanhã”, disse ao telefone uma voz.
Viva Madrid
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