Como é que hei-de começar isto? Se calhar começo por dizer que pelo menos este cidadão que hoje publica no Sinusite votou no PP nas últimas eleições. Porquê, pergunta, perseguindo a rima, a Zé Heitor da farmácia. Porque achei que o PP poderia moderar os ímpetos ideológicos ultra-liberais de Passos Coelho e companhia - cada vez mais radicais ao longo da campanha. E o que temos neste momento? O PP ausente e caladinho, cúmplice de uma série de medidas imoderadas e justificadas, como sublinhou Pacheco Pereira hoje na "Sábado", por uma espécie de ódio ideológico ao funcionalismo público e àquilo que se considera ser os seus privilégios. Esperava do PP a moderação que não está a dar - num discurso, numa opinião, num gesto. Numa afirmação de identidade, mais próxima da sua raíz democrata cristã.
Sei que este é um discurso fora de moda mas acredito que os valores essenciais do cristianismo (eu que até os cruzo com os do budismo, onde hoje até me movo melhor) podem ajudar a humanizar as políticas, sobretudo aquelas que vêm de utopias ideológicas como são as do liberalismo puro e duro. Continuo na essência liberal, sim, continuo a acreditar que discursos como este, feito por Adolfo Mesquita Nunes, fazem todo o sentido - acho que falta muita iniciativa e responsabilidade pessoais em Portugal em todas as áreas - mas sinto a necessidade de ver esse discurso de apelo ao esforço de cada um complementado com um sentido de atenção a quem simplesmente está em desequilíbrio financeiro permanente, a quem é prejudicado porque precisa dos dinheiros dos subsídios de Natal e de férias para pagar despesas essenciais. Ou por outra: só a liberdade é sublinhada. Falta o resto.
Sei que há gente no PP, a começar por Portas, com todos os seus defeitos, que partilha, pelo menos em teoria, destes valores. Alguns até os exibem demasiado à lapela - com todos os perigos que isso traz. Mas o facto é que não os tenho ouvido. Achei o discurso de Adolfo Mesquita Nunes um discurso com rasgo e novidade por estar centrado nesta ideia de que a liberdade é um valor que devia ser mais nuclear por aqui. Penso é que lhe faltou essa dimensão de atenção ao outro, do construir ajudando quem não consegue fazê-lo sozinho, de - numa palavra que se gastou mas que ainda faz todo o sentido - solidariedade. Não há maior manifestação de liberalismo, pelo menos como o entendo, do que o voluntariado. Se cada um cuidasse da rua, do melhor da sua rua, dos problemas da sua rua, dos que sofrem na sua rua, teríamos provavelmente um país melhor e mais simpático para se viver.
Tudo isto me faz lembrar uma declaração televisiva antiga de Felipe González, que dizia qualquer coisa como: "A esquerda não consegue falar de crescimento e a direita não consegue falar da exclusão". Acredito que há um equilíbrio qualquer que pode ser perseguido e realizado. E também aqui confesso o meu "ecumenismo". Não me interessa tanto saber se é pela democracia cristã ou se é pela social-democracia que se chega lá. Importante é que na acção política estejam elementos de empatia e compaixão por quem vive um caminho difícil e desprotegido e precisa, no plano institucional e da comunidade, de protecção, ajuda e incentivo.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.