Ando a tentar deixar de fumar há mais de trinta anos. Estou convencido que no dia posterior ao meu primeiro cigarro decidi deixar de fumar. Neste momento tenho um cigarro posado no cinzeiro e os pensos de Niquitin à minha frente. Amanhã ia ser o dia em que o tabaco deixaria de me dar dores de cabeça, em que ia começar a subir dois lances de escadas sem ter de parar a meio, em que ia deixar de ter lancinantes ataques de tosse de manhã, em que a minha asma acalmaria, em que o meu carro deixaria de ser um cinzeiro ambulante, em que os meus filhos me iam agradecer não viver numa permanente névoa. Recebi, porém, um telefonema. Era um convite irrecusável e que obriga, para mal dos meus pecados, a muito trabalho. Não dá para cumprir a tarefa sem cigarros. O problema é que todos os trabalhos, todas as mais corriqueiras actividades são importantíssimas e infazíveis se imaginar que não vou ter o tabaco como parceiro.
Tem sido assim toda a minha vida: passo noites em claro a pensar no mal que o tabaco me faz, lembro os amigos que morreram com cancros provocados pelos cigarros, faço a mim próprio promessas solenes. Levanto-me, tusso e passado uns minutos, em raros dias umas horas, lá acendo o primeiro dos muitos cigarros diários. Os cigarros são a prova provada da minha fraqueza, da minha falta de força de vontade. Já tive depressões por não conseguir deixar de fumar. Escusado será dizer que durante as semanas de depressão continuava a fumegar.
Para o mal, nunca para o bem, os cigarros são a única coisa constante e permanente na minha vida. Lembro-me dos cigarros sugados nas escadas da maternidade onde nasceram os meus filhos, daqueles consumidos antes dum negócio importante, dos que me ajudaram a pensar quando decidi mudar de vida. Os cigarros estiveram lá sempre: nas alegrias, nas tristezas, nos momentos de tédio, nos de euforia, nas minhas vitórias, nas minhas derrotas.
Nos dias em que estou particularmente cretino e que por milagre não estou com falta de ar chego a pensar que há algo no meu subconsciente a impor-me fidelidade a algo que nunca me abandonou – quando mais racional sei que é um produto causador de dependência. É verdade, a minha estupidez atinge esses níveis.
É amanhã, é amanhã.
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