Segunda-feira, 19 de Setembro de 2011

o homem multiplicado

Não sei se ao estimado leitor acontece o mesmo, mas, no meu caso, estão sempre a jurar-me a pés juntos que conhecem alguém que é igualzinho a mim. Cara chapada. Forma de falar e tudo. Os gestos e assim. Uma coisa incrível. Terminando no fatal: vocês têm de se conhecer.

Gosto do vigor com que é dita esta última ideia. Fico a pensar que a pessoa porventura está convencida de que descobriu ali o elo perdido de uma família. Que nos vai pôr a mim e ao amigo igualzinho-cara-chapada e que, posto um segundo de lividez, correremos para os braços um do outro exclamando: “Irmão! Pensei que te tinha perdido para sempre! A tua cestinha foi ter aonde?” Algo assim.

O habitual é a pessoa ficar radiante com a descoberta. E espera, aparentemente, que sintamos o mesmo. Eu não. Não é por ter a mania de que sou especial e único; é porque fico sempre a tremer com a perspectiva de ser apresentado a um neenderthal com óculos, um magrizela hiperactivo, um narigudo petulante, um rato de sacristia efeminado, qualquer coisa que nada corresponda à imagem olímpica que tenho de mim mesmo, mas que, por qualquer motivo obscuro, encaixe magistralmente na forma como outros me vejam.

Recentemente, foi um luso-libanês que parou a conversa, observou-me fixamente durante um interminável minuto e depois irrompeu numa celebração tribal de quem descobriu uma nova lei da física. Disse-me que havia, no Quebeque, um tipo – lá está – igualzinho a mim, cara chapada, gestos e tudo, forma de falar, única diferença: estar sempre enrodilhado num cachecol. Um produtor, ao que parece. Stéphane Raymond de seu nome. “Tens de procurá-lo no facebook”, ditou-me. “Não tenho”, disparei, convicto de ter desferido o k.o.. “Então, googla-o.” Googlei. Aparecem-me dezenas de tipos diferentes, nenhum sequer razoavelmente parecido com a fotografia tipo passe de mim mesmo que aqui tenho dentro.

Há uns anos, quando entrei pela primeira vez num determinado café para os lados da Avenida da Roma, os empregados – brasileiros – pareciam ter visto entrar uma assombração. Um destemido, trazendo-me a meia de leite e o croissant encomendados, lá perguntou a medo: “Olha… Você não é Renato Russo, não?” Não, mas googlei-o (ou yahooei-o, não sei. Já foi há algum tempo). Era o vocalista da Legião Urbana. Um tipo de respeito, pensei. Não muito parecido, pensei também. “Cara pensador”, garantiram-me no café. “Morreu de SIDA faz um tempão”, acrescentaram. Percebi melhor, então, a expressão de assombro ao verem-me entrar. Apesar de tudo, valeu-me muito café à borla nas visitas seguintes.

De resto, já me garantiram ser igualzinho a um primo de Coimbra, a um amigo da Madeira, a um colega de trabalho da Chamusca, a um cantor de musiquinha muiiiiito ligeira, a um actor de sitcoms, ao Vitinho (sim. O Vitinho. Esse.) e ao Robby Krieger (caro leitor, chegados a este ponto, convido-a googlar agora você mesmo estas duas últimas personagens e verifique se é humanamente possível conceber alguém que seja ao mesmo tempo igualzinho ao Vitinho e igualzinho ao Robby Krieger). Penso mesmo que um amigo próximo sugeriu já haver grandes semelhanças entre mim e James Baldwin, esse escritor notável… e preto.

Nos últimos meses, diferentes pessoas em diferentes momentos juraram que havia um rebelde líbio nas fotos dos jornais que era tal-e-qual-cara-chapada este humilde açoriano que vos escreve.

Ainda não sei o que farei. O meu pai jura-me de mãos postas que nunca pôs um pé em Tripoli e que, por mais que tentasse, nunca conseguiria gerar um desenho animado.

Não sei se compre. Um dia destes, parto em busca desta malta toda e junto-a para discutir umas ideias. Há-de haver uma forma qualquer de lucrarmos com este mistério.

publicado por Alexandre Borges às 07:46
link | comentar
4 comentários:
De Alexandre Borges a 20 de Setembro de 2011
:) Boa história, Isa. Também penso nisso - que devo ter uns traços muitos banais. Enfim, se não nos portarmos bem, poderá ter as suas vantagens... Obrigado, como sempre, por apareceres. Bjs
De Isa a 23 de Setembro de 2011
lembrei-me de outra, a marieta severo, vai vendo, eu e a minha mãe, iguais...

PS: ora eça, é sempre um prazer ;)
Bjo

Comentar post

Autores

Pesquisar

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Últimos posts

Frangos & galetos

...

Contra nós temos os dias

Do desprezo pela história...

É urgente grandolar o cor...

Metafísica do Metro

A Revolução da Esperança

Autores do Condomínio

Hipocondria dos afectos

A família ama Duvall

Arquivo

Dezembro 2020

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

tags

todas as tags

Subscrever

Em destaque no SAPO Blogs
pub