Não sei se ao estimado leitor acontece o mesmo, mas, no meu caso, estão sempre a jurar-me a pés juntos que conhecem alguém que é igualzinho a mim. Cara chapada. Forma de falar e tudo. Os gestos e assim. Uma coisa incrível. Terminando no fatal: vocês têm de se conhecer.
Gosto do vigor com que é dita esta última ideia. Fico a pensar que a pessoa porventura está convencida de que descobriu ali o elo perdido de uma família. Que nos vai pôr a mim e ao amigo igualzinho-cara-chapada e que, posto um segundo de lividez, correremos para os braços um do outro exclamando: “Irmão! Pensei que te tinha perdido para sempre! A tua cestinha foi ter aonde?” Algo assim.
O habitual é a pessoa ficar radiante com a descoberta. E espera, aparentemente, que sintamos o mesmo. Eu não. Não é por ter a mania de que sou especial e único; é porque fico sempre a tremer com a perspectiva de ser apresentado a um neenderthal com óculos, um magrizela hiperactivo, um narigudo petulante, um rato de sacristia efeminado, qualquer coisa que nada corresponda à imagem olímpica que tenho de mim mesmo, mas que, por qualquer motivo obscuro, encaixe magistralmente na forma como outros me vejam.
Recentemente, foi um luso-libanês que parou a conversa, observou-me fixamente durante um interminável minuto e depois irrompeu numa celebração tribal de quem descobriu uma nova lei da física. Disse-me que havia, no Quebeque, um tipo – lá está – igualzinho a mim, cara chapada, gestos e tudo, forma de falar, única diferença: estar sempre enrodilhado num cachecol. Um produtor, ao que parece. Stéphane Raymond de seu nome. “Tens de procurá-lo no facebook”, ditou-me. “Não tenho”, disparei, convicto de ter desferido o k.o.. “Então, googla-o.” Googlei. Aparecem-me dezenas de tipos diferentes, nenhum sequer razoavelmente parecido com a fotografia tipo passe de mim mesmo que aqui tenho dentro.
Há uns anos, quando entrei pela primeira vez num determinado café para os lados da Avenida da Roma, os empregados – brasileiros – pareciam ter visto entrar uma assombração. Um destemido, trazendo-me a meia de leite e o croissant encomendados, lá perguntou a medo: “Olha… Você não é Renato Russo, não?” Não, mas googlei-o (ou yahooei-o, não sei. Já foi há algum tempo). Era o vocalista da Legião Urbana. Um tipo de respeito, pensei. Não muito parecido, pensei também. “Cara pensador”, garantiram-me no café. “Morreu de SIDA faz um tempão”, acrescentaram. Percebi melhor, então, a expressão de assombro ao verem-me entrar. Apesar de tudo, valeu-me muito café à borla nas visitas seguintes.
De resto, já me garantiram ser igualzinho a um primo de Coimbra, a um amigo da Madeira, a um colega de trabalho da Chamusca, a um cantor de musiquinha muiiiiito ligeira, a um actor de sitcoms, ao Vitinho (sim. O Vitinho. Esse.) e ao Robby Krieger (caro leitor, chegados a este ponto, convido-a googlar agora você mesmo estas duas últimas personagens e verifique se é humanamente possível conceber alguém que seja ao mesmo tempo igualzinho ao Vitinho e igualzinho ao Robby Krieger). Penso mesmo que um amigo próximo sugeriu já haver grandes semelhanças entre mim e James Baldwin, esse escritor notável… e preto.
Nos últimos meses, diferentes pessoas em diferentes momentos juraram que havia um rebelde líbio nas fotos dos jornais que era tal-e-qual-cara-chapada este humilde açoriano que vos escreve.
Ainda não sei o que farei. O meu pai jura-me de mãos postas que nunca pôs um pé em Tripoli e que, por mais que tentasse, nunca conseguiria gerar um desenho animado.
Não sei se compre. Um dia destes, parto em busca desta malta toda e junto-a para discutir umas ideias. Há-de haver uma forma qualquer de lucrarmos com este mistério.
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