Os críticos são odiados, já se sabe. O Vasco recorda-nos isso mesmo, ainda que, aparentemente, fosse sua primeira intenção falar da overdose de anúncios que agora precede as sessões de cinema.
Não é um ódio difícil de perceber. O crítico tem desde logo esse nome cretino. Ele não cria, ele crítica. Não tem existência própria; parasita a obra dos outros. Faz vida de dar opiniões, mesmo que nunca lhe tenham perguntado nada.
O crítico é um símbolo de um mundo que está a acabar. Um mundo anterior aos fóruns tsf, aos big brothers, aos facebooks, onde se entendia, por estranho que possa hoje parecer, que não bastava respirar para se ter uma opinião que importasse ouvir. Um mundo onde não bastava dizer “like”; era preciso explicar porquê ou por que não. O crítico é, enfim, a face mediática dum velho tema filosófico que distinguia a questão do gosto da estética. Mas agora consegue dizer-se tudo nos 140 caracteres do twitter e a Crítica Da Faculdade Do Juízo, só de título, tem 29, incluindo espaços.
É claro que ninguém teve mais responsabilidade na má fama dos críticos do que os próprios. O hermetismo, a pretensão, a leviandade e o autismo com que, amiúde, se foi escrevendo ao longo dos anos hostilizaram leitores. Um erro presunçoso e de palmatória: ignorar o público. Desdenhá-lo. Faltar-lhe ao respeito. Se alguém escreve não para ser compreendido, mas em busca da admiração pacóvia de quem rotula de intelectualidade aquilo que não entende, então estamos conversados. Quanto aos críticos e quanto aos leitores.
A história, no entanto, não termina por aqui. A crónica do Vasco é um pequeno exemplo desse curioso fenómeno contemporâneo: a crítica aos críticos. A hipotética obra de arte – “Bridesmaids”, neste caso – está lá ao fundo. Não se chega bem a dizer uma palavra sobre ela, a explanar o que possa de ter de bom ou de mau, a construir um argumento que nos faça perceber por que errou quem não gostou do filme. Critica-se os críticos porque não gostam de nada, não gostam do que nós gostamos, não gostam de Judd Apatow e gostam de Abbas Kiarostami. Critica-se os críticos pelas bolinhas ou estrelinhas que dão e não pelo que escrevem, pelo argumento, pelo raciocínio, pela razão; por aquilo afinal, por que lhes pagam: pensar sobre um filme e defender uma tese com a qual se pode ou não concordar por razões inteligíveis e não simples e irresolúveis diferenças de gosto. Critica-se os críticos, enfim, com tanto preconceito como aquele de que se os acusa.
Se o Vasco fosse um crítico, não tardaria a ser inundado de correio de gente que odiou “Bridesmaids”; gente que o insultaria por, nos quatro críticos que refere, nomear um que já não escreve e outro que é, na verdade, um célebre – e há muito morto – cineasta português; gente que lhe pediria para explicar que há de errado em gostar de Kiarostami; gente que perguntaria por que carga de água Judd Apatow, autor de três filmes entre os quais se conta “Virgem Aos 40 Anos”, teria direito a ciclo na Cinemateca; gente que perguntaria por que mistura “Bridesmaids” com um realizador que não o realizou, com a opinião de críticos que não apresenta nem desconstrói, com o problema da overdose de anúncios antes das sessões de cinema.
Mas o Vasco não é crítico e não faltará quem concorde com ele. Só estranho que, na literatura, se perceba que o light é mau; que, na música, se recuse a pop ligeirinha, fórmulas easy-listening e afins; e só no cinema haja tanta gente tão convencida de que o fácil é que é bom. Que o difícil é uma vaidade dos críticos. Que não perceba que um grande filme tenha de ser visto e revisto para ser compreendido, como tantos grandes livros e tantos grandes discos.
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